Crónica
TERRAS DO FIM DO MUNDO
Pelo fundo de encostas abruptas, praticamente esculpidas em pedra, corre o rio que as escavou e que foi deixando, num leito também de pedras, uma cicatriz que aparta uma e outra margem. Por estas bandas, desde os alvores da demarcação do reino e das suas fronteiras, também se disputaram terras de pasto e lameiros.
Numa nesga à borda de água fica o fundo do lugar, onde ainda moram alguns dos descendentes de uma comunidade que, na outra margem, aqui deixou uma pegada de campos férteis, onde a cheia do rio não subia e que são um misto de terra desprendida das vertentes e séculos de estrume de animais. Essa geometria de campos minúsculos desenha-se entre muros de pedra solta que o rio rolou e poliu; assim se protegiam as culturas do passo dos animais que debandavam os pastos pelas encostas e se iam espedregando os campos para o lavrar dos arados. Pelo Abril, as cerejeiras em flor iluminam-se como aparições. Podia ser o paraíso.
Não é. Nunca foi. Geria-se a escassez e o pouco que a terra dava com o muito que era preciso trabalhar e calcorrear por montes e tojos. Por serem terras do outro lado do rio-fronteira, noutro país, nem sempre as coisas eram serenas. Tudo era longe por caminhos a pique.
Agora reina a calmaria. Quando algumas das comodidades de hoje chegaram, já o povo tinha emigrado e o que mais há nestes dias são casas vazias, umas velhas, quase ruínas, outras quase novas, quase sem estrear.