Crónica

PARABÉNS À CASA

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Enquanto o país desperta para o milagre da Casa da Música e se desdobra em reportagens e visitas guiadas, uma década depois, a Casa já não é novidade para muitos portuenses. Conhecem-na desde o tempo em que era apenas um ponto de betão e metal a ladear a Rotunda da Boavista, quando a única sinfonia que se ouvia era a das escavações e marteladas, o scherzo irritante da construção. Os portuenses sabem de cor a partitura da Casa da Música.  São eles que convidam os amigos para uma volta de skate, são eles que apontam o caminho aos turistas à saída do metro, foram eles que a viram crescer.

Passamos por lá quando éramos crianças e mal notamos o que crescia à frente dos nossos olhos. Somos até capazes de nos lembrar das discussões à mesa de jantar sobre as derrapagens orçamentais que erguiam o bizarro gigante no centro da cidade. Nem toda a história da Casa da Música será composta de celebrações, um requiem ou outro já enterraram assuntos mais negros. Mas dificilmente são esses que permanecem, para o bem e para o mal.

Rasgos da memória trazem de volta a primeira visita de estudo, a montanha que a diminuta Sala Laranja uma vez foi, quando passávamos lá o triplo do tempo do que em qualquer outro espaço da Casa. Alguns de nós aprenderam por lá os primeiros sons, muitos assistiram por lá ao seu primeiro concerto daquela música que dá vontade de dormir.

Eu não percebo nada de música, o pouco que conheço, conheço-o de ouvir. Se me passassem um violino não teria o que fazer com ele, não saberia percorrer fluentemente uma partitura e, por estranho que soe, a Casa ainda me soa a casa.

Conheço a Casa de portas abertas, a Casa que nunca, nem na semana mais atarefada do ano, recusa um pedido a um bando de jovens a brincar aos jornalistas. Conheço a Casa que vende bilhetes para sinfonias de orquestra engravatada e a Casa que junta músicos e visitantes para um cimbalino no Bar dos Artistas. Conheço a Casa em que se ouvem os suspiros impressionados dos turistas e se juntam famílias para um concerto de Domingo à noite. Conheço a Casa da fachada que prende o olhar, dos contornos que servem de recreio aos skaters. Conheço a ventania que levanta qualquer um do chão quando por lá se passa no Inverno e conheço o calor insuportável da falta de sombra nas escadas no Verão.

Lembro-me da primeira tarde que lá passei durante um ensaio aberto sem conhecer quem por lá tocava, sei que o meu concerto preferido teve o violino do Ray Chen e a batuta do Vasily Petrenko e sei que a Sala Suggia é infinitamente mais espantosa nos concertos de final de tarde, quando o sol se põe e os raios alaranjados atravessam as janelas onduladas e se refletem no palco.

E 10 anos passaram assim, num sopro. Uma década de composições dos 8 aos 80, virada para a cidade que a viu crescer, porque a Casa nunca se escondeu do Porto. Olha-o todos os dias da Sala VIP, deixa-se olhar da Sala Suggia. Mas, infelizmente, há ainda muito da cidade que se esconde da Casa. Nem tudo serão rosas e, com certeza, haverá muito a melhorar dentro e fora destas paredes disformes, muito por alcançar na relação que une a Casa aos portuenses.

Nada no Porto soa a Casa da Música. Arrisco escrever, nada no mundo soa a Casa da Música. As notas que percorrem estas paredes disformes vêm de uma partitura que passa diariamente de mão em mão, atualmente por 192 competentes pares de mãos, e deixa sempre espaço para mais um verso. Por entre essas colcheias e mínimas, de ilustres convidados ao mais humilde dos visitantes, uma vontade ouve-se certa, neste futuro incerto de cortes orçamentais e atentados à cultura, a de que “Venham mais 10”. Parabéns, Casa da Música!

 

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