Crónica

LIMPA O CU AO CANUDO

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Raul Minh’alma

Durante o secundário, essencialmente, chovem as dúvidas sobre qual o curso a seguir assim que termine aquela fase da nossa vida. Em plena adolescência estamos já a decidir o nosso futuro sem muitas vezes termos noção disso, e surgem os erros. Uns não querem continuar a estudar porque querem já começar a juntar uns trocos para comprar um carrinho em segunda mão e pagar umas cervejas à malta. Outros, porque não têm possibilidades financeiras mas, em muitos casos, não é mais que uma boa desculpa para a sua falta de vontade. Apesar de o nosso país não ser o melhor, ainda há um mecanismo(zinho), de incentivo e apoio, que se chama “Bolsa de Estudo” e umas tais “Residências Universitárias” que, parecendo que não, ajudam muitos outros estudantes que também não têm possibilidades financeiras (mas têm vontade).   “Segue o teu sonho”, ouvimos nós muitas vezes, e lá vamos todos contentes escolher o curso do nosso sonho, mas esquecemo-nos que, infelizmente, não estamos num país de sonhos, e torna-se tudo num pesadelo quando damos por nós, de canudo na gaveta, a levar de manhã à noite com piiis irritantes nas caixas do Continente. Mas aqui a questão não é o curso que se escolhe, mas sim o que se faz e quem se é, depois de ter o canudo na mão.

Hoje em dia, em Portugal, a diferença entre quem tem um curso superior e quem não tem, no que à empregabilidade diz respeito, é tão grande quanto a diferença entre a Assembleia da República e o galinheiro da minha avó. Antigamente, quem tinha um curso era o maior da aldeia, mas agora… é apenas mais um. É mais um, não porque são muitos, mas porque o país em que estamos decidiu “homogeneizar a coisa”. Mas continuando. Por entre todas as pessoas formadas e empregadas na maior empresa do país, o centro de emprego, eu destaco dois tipos: aquelas a quem o canudo não vale de nada e aquelas que não valem nada com o canudo. Há quem não aceite trabalhar numa área que não seja a área dos seus estudos. Foi aquilo que estudou, é naquilo que trabalha. Eu acho muito bem que seja nisso que queira trabalhar. O que eu não acho que faz sentido é andar a passar mal só porque não aceita trabalhar noutra área dita “inferior”. Não é vergonha nenhuma ter um curso e andar a meter gasolina; não é vergonha nenhuma ser formado e trabalhar nas caixas de um supermercado; nem é vergonha nenhuma ter dezassete anos de estudo e andar a calcetar ruas ou a limpar casas de banho. Vergonha é empinar o nariz, encher a barriga de orgulho, e esperar que lhe batam à porta com uma oferta de emprego.

Este país obriga-nos a lutar o dobro para conseguir metade. Não é fácil, ninguém disse que era, mas se os outros conseguem, nós também conseguimos. É preciso ter orgulho no curso que se tirou; é preciso lutar para se trabalhar na área que se estudou. Mas também é preciso ser humilde. Também é preciso saber que não se é mais do que ninguém porque se tem um diploma. Se for preciso limpar retretes para sobreviver, que assim seja, mas não escondamos isso por vergonha. Ponhamos mesmo no curriculum.

Já se sabe que, para se conquistar um emprego, vale mais ter um tio Cunha do que anos de conhecimento científico; vale mais conhecer pessoas do que matérias; vale mais ser esperto do que inteligente. Ponto assente. Por isto tudo, o slogan do Ministério da Educação deveria ser Limpa o Cu ao Canudo, mas seria demasiado sincero.

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4 Comments

  1. Nuno

    13/04/2015 at 22:35

    Eu concordo com o que foi dito. De facto, não somos mais do que ninguém só porque temos um curso superior, e devemos sempre lutar por ter uma vida melhor, independentemente do trabalho que se faça.
    Mas também não posso deixar de dizer que, tantos anos a estudar, a lutar para ter um emprego melhor, a procura de algo mais estável, e depois não conseguir, e ter de trabalhar, como diz, a limpar retretes, é muito frustrante, e não duvido que todos os que tiraram um curso superior o evitem (só mesmo se estiverem desesperados).

  2. Pedro

    14/04/2015 at 12:05

    Bem, eu cá sou licenciado em Organização e Gestão de Empresas… agora sou designer freelancer e aprendi tudo sozinho. Não me estou a dar nada mal 😉 Se fosse hoje não tinha de forma alguma tirado um curso porque sou aquilo a que se chama: autodidacta, teria aprendido aquilo que queria fazer sem ter de pagar propinas para me ensinarem o que nem sequer tinha paciência para ouvir. A vantagem de ter um curso para mim é a capacidade de pensar as coisas de outra forma que sem ele provavelmente não teria…
    Estamos num país onde doutores ganham menos do que canalizadores, porque? porque a oferta de doutores é maior do que a de canalizadores.
    O meu conselho? Pensem no que são bons a fazer e no que realmente gostam e querem fazer, independentemente de isso implicar tirar um curso.
    Estamos a precisar de criatividade, novos negócios, novas visões, flexibilidade… Engane-se quem pensa que tira um curso e depois vai ser uma mar de rosas (há excepções). vão abrir a gaveta, olhar para o canudo e pensar: porque raio “comprei” eu isto?

  3. Carolina Gama

    16/04/2015 at 20:39

    De facto é um choque porque num dia pensamos “É realmente isto que eu quero fazer, vou fazer isto e aquilo”, mas no dia a seguir por mais que façamos e tentemos de tudo para o conseguir, simplesmente não acontece… Ou porque temos que ter experiência para trabalhar, ou porque temos que trabalhar para ter experiência, ou porque temos demasiadas habilitações para servir às mesas ou lavar casas-de-banho, ou porque apesar de tudo há ‘milhentas’ pessoas que iguais a nós têm mais qualquer coisinha… Há um desespero tal que nos dá mesmo vontade de limpar o cu ao canudo e em vez fazer como certos políticos (pagar para ter um curso), dá vontade de pagar para esquecerem que estivemos a estudar tanto, para tão pouco… Ainda assim cabeça erguida, porque apesar de tudo temos que pensar que foi uma experiência enriquecedora, nem que seja pela capacidade que se ganha de ver e de pensar nas coisas de maneira diferente 🙂 Pois só isso nos trará sucesso.

  4. Carolina

    16/04/2015 at 20:40

    De facto é um choque porque num dia pensamos “É realmente isto que eu quero fazer, vou fazer isto e aquilo”, mas no dia a seguir por mais que façamos e tentemos de tudo para o conseguir, simplesmente não acontece… Ou porque temos que ter experiência para trabalhar, ou porque temos que trabalhar para ter experiência, ou porque temos demasiadas habilitações para servir às mesas ou lavar casas-de-banho, ou porque apesar de tudo há ‘milhentas’ pessoas que iguais a nós têm mais qualquer coisinha… Há um desespero tal que nos dá mesmo vontade de limpar o cu ao canudo e em vez fazer como certos políticos (pagar para ter um curso), dá vontade de pagar para esquecerem que estivemos a estudar tanto, para tão pouco… Ainda assim cabeça erguida, porque apesar de tudo temos que pensar que foi uma experiência enriquecedora, nem que seja pela capacidade que se ganha de ver e de pensar nas coisas de maneira diferente 🙂 Pois só isso nos trará sucesso.

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