Crónica

ATENÇÃO: ESTA CRÓNICA LEVA UM GÉNIO DENTRO

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Renata Monteiro

Ontem saiu um excerto d’ O Memorial do Convento no exame nacional de português. Posso-lhe confessar uma coisa sem que fique ofendido? Por aqui ainda não gostam muito de si.

Impõem os seus livros a alunos mais preocupados com gramática, biologia, história e matemática que rapidamente saltam para resumos pré-preparados que pouco ou nada dizem. O objetivo? Desconstruir cada descrição, dar sentido a cada palavra. As ideias são massificadas. A revolução (a da mente) falha.

Eles não entendem, pois não? Nem quando disse que todos os seus livros deveriam vir com um aviso na capa: “Este livro leva uma pessoa dentro”. E as pessoas exigem cuidado, atenção e tempo.

Caso não o compreendam, porque sejamos sinceros, nem sempre é fácil percebê-lo (a falha é minha, não sua) atiram-lhes com o velho argumento à cara: “Estamos a falar do Nobel da Literatura.”

Agitam o prémio imponentemente, orgulham-se, escrevem-no em todas as capas de todos os seus livros. Mas não o compreendem.

Não entendem a falta de pontuação e acusam-no de atentar contra o que sempre defendeu. Horrorizam-se com o Ensaio Sobre A Cegueira, mas não lamentam a realidade que o inspirou.

Cinco anos passaram desde que Portugal ficou ainda mais pequenino. Cinco anos desde que a Literatura, a Cultura e, mais importante, a Sociedade, perdeu uns dos poucos ainda capazes de deixar saudade.

Lembro-me de ter lido num dos seus textos que o que desaparece é o viajante, que a viagem não acaba nunca. Mas e quando a viagem e o viajante são só um? O que fica e o que acaba? Sei que acredita que o fim da vida termina com tudo, mas até um Nobel pode errar, certo?

Que se continue a celebrar por muito anos esta data, mas que mais do que relembrar um dia que se lembre a obra, que se lembre o escritor. E, porque não, que se lembre o homem.

No meio de todo o pessimismo e controvérsia que se perceba também nas entrelinhas as mensagens de amor e esperança. Que se perceba a diferença entre realidade e ilusão. Que se continue a acreditar no poder da palavra. Que, com o passar dos anos, se leia muito e se pense ainda mais.

E que nunca se esqueçam de si, Saramago, que nos desassossegou “Mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia.”

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1 Comment

  1. Leonor Soares Menezes Matos

    05/07/2015 at 21:53

    ola Renata! O texto está surpreendente! Muitos parabéns. Concordo com cada linha!

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