Crónica
COMO NOS DESTRUÍMOS UNS AOS OUTROS, POR AMY WINEHOUSE
(Isto não é um texto para desculpar as opções que cada um toma para si. Isto é sobre o nosso papel na sociedade, o lugar que ocupamos perante os outros e o que fazemos com ele).
Esta poderia ser o cliché de uma “Crónica de uma morte anunciada”. Mas se encaramos a vida de Amy Winehouse como um adiamento da morte, teríamos de descredibilizar toda a sua obra. Quem o puder que o tente fazer; eu não posso.
Ela disse que morreu cem vezes, mas desta vez doeu mais. Eu não acreditava que pudesse acontecer tão cedo. De cada vez que ela caia no vazio ou se deixava afundar na sua própria pessoa, eu esperava vê-la levantar-se e ganhar cor. Ela sempre fazia isso. Ela voltava sempre. E ela às vezes ria-se, e isso era lindo.
A Amy sempre foi a menina que as drogas substituíram o amor da família. Que o álcool enchia o vazio de nada e diluía as luzes que a ofuscavam. Que sempre a ofuscaram. Ela nunca soube deixar de ser essa menina. Morreu aos 27 anos sem nunca ter chegado perto de ser a idade que tinha. Ela foi o reflexo do mundo estropiado de relações que temos. Da merda de vida que levamos. Da miséria e do mal que trazemos aos outros. Olhava-se para ela e viam-se nítidos os limites do ser humano. Os quais nunca soubemos parar de olhar e julgar. Assistimos impávidos e serenos. Como algo que um dia controlamos, foge do nosso controlo e nos destrói em pedaços. Literalmente.
A Amy sempre foi a menina que o pai rejeitou e o mundo considerou sua. Sem pedir licença, sem pedir para entrar deixamo-nos sentar nas costas dela e fê-la aguentar o peso. Nunca perguntamos “porque cais?”. Achávamos que sabíamos sempre a resposta. (Somos muito sábios quando falamos sobre os outros. Somos muito responsáveis pela nossa saúde quando a doença é dos outros.) Nunca tentamos ajudar sem quer algo em troca. Nunca a deixamos ser uma pessoa, só queríamos a artista. Nunca quisemos que se curasse para puder viver, só queríamos que pudesse continuar em palco – mesmo depois de a vermos cair lá. Só queríamos aquilo que ela nos podia dar, sem quer saber se ela o conseguia aguentar ou não.
Quando é baixamos os holofotes? Quando é que aprendemos a desligar o microfone e a ouvir uma pessoa em vez de uma notícia? Quando é que distinguimos? Quando é que voltamos a ser humanos?
Ela dizia que acordava sozinha, mas a verdade é que o mundo a espreitava pela janela. Mas poucos ouviram a história da boca dela, aquela não corrompida e ensanguentada pelos tablóides britânicos, nem a manchada e copiada pelo resto do mundo. Ela teria todo o direito de contar a sua história, se alguém a quisesse ouvir. Ninguém o quis e ela deixou de tentar.
Para ela, o amor e a vida eram um jogo perdido. Mas que ela jogou com distinção e hoje deixem-se lembra-la por isso.