Crónica
SINTO-ME NAS MÃOS DE DOSTOIEVSKI…
Creio que a situação que aqui vou abordar não será nada de inédito para a maioria dos leitores (se os houver) … Não obstante, senti, ainda assim, necessidade de chatear o papel com este delicado assunto:
Comprei numa feira do livro uma novela de Dostoievski (bolas, já estava na altura de o começar a ler a sério). Trata-se de uma edição com setenta e cinco anos e que, portanto, vem ainda com várias folhas unidas, o que me obriga a andar sempre com um pequeno sabre abre-cartas, não fosse eu ter preguiça de separá-las todas logo de enfiada! Aconteceu eu ter-me identificado com a personagem principal das “Noites Brancas” (nome atribuído em S. Petersburgo a uma dada época do Verão, na qual o Sol se ausenta às nove horas para depois fazer o check in à meia-noite). Não que eu seja tão solitário e bicho-do-mato como o Sonhador, que de página em página lemos vaguear pela cidade Russa, absorto da realidade; não, simplesmente partilho o coração estupidamente inflamável – que julga percecionar o mais belo dos romances em situações que poderíamos, com honestidade, classificar como “glaciares”. Note-se que isto não acontece porque o sujeito é convencido ou presunçoso, mas sim por ser… idiota, “um tipo, (…) um homem ridículo”.
Não desejo esta cumplicidade leitor-personagem a ninguém, em particular tratando-se de obra da corrente do Romantismo… É que, se por um lado me nasceu uma vontade imensíssima de ler o livro compulsivamente (frustrada pela falta de tempo) e uma curiosidade absurda, por outro sinto também um certo receio – pois o escritor parece encarnar Deus, e cada folha torna-se como que um pedaço do meu destino! E quando ler “FIM” que revelações bombásticas enfrentarei? Que será de mim, que tanto me confundo nele?!
Vou na terceira de quatros noites que constituem a narrativa… Espero junto a uma ponte, à chuva, por Nastenka. Não há qualquer réstia de esperança de um desfecho feliz, excepto, claro, para “um tipo”, para o apaixonado infinitamente idiota. Parece que cada gota que cai do céu é na verdade uma lágrima que o olho evita soltar; ora – quem sem entrega de braços abertos à imprudência não pode depois dar-se ao luxo de ser piegas! (Olha… Dou por mim a escrever na retrete; convém de momento evitar de todo o estilo queirosiano, e abstrair-me das influências do espaço que me rodeia.) Tenho de saber, urgentemente, o que para mim está reservado! Nastenka, Nastenka… tu não me desgraces o gajo, que é a mim que matas! Como disse: Estou à mercê de Dostoievski, de sabre em punho!
Perdoai-me se ao longo destes parágrafos fui excessivamente meloso, particularmente com aquela metáfora chuvosa… um home tem destes dias! Entretanto recomendo deveras a novela. “Noites Brancas”, noites que eu passei em branco por andar armado, ao pingarelho, em Sonhador!…
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