Crónica

NATUREZA URBANA

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Álvaro Domingues

Diz Claude Lévi-Strauss, homem de profundo e estruturadíssimo conhecimento, que tudo aquilo o que é universal no homem remete para a natureza e caracteriza-se pela espontaneidade, e que tudo o que obedece a uma norma pertence à cultura e apresenta atributos próprios daquilo que é relativo e específico. Mais uma vez, estava assim reafirmada a questão da dicotomia natureza/cultura. Às vezes dá jeito.

Outros, como Bruno Latour, Philip Descolas ou Eduardo Viveiros, insistem em não confinar os humanos e os não-humanos em campos estanques e distintos, e reafirmam a importância de uma antropologia da natureza para entrelaçar o multinaturalismo que vai a par do multiculturalismo. Os instintos e as instituições andariam, naturalmente, de um lado para o outro.

Quando Descolas usou a expressão “natureza doméstica”, queria referir-se ao imaginário e às práticas da tribo amazónica Ashuar relativamente à floresta, aos animais, aos rios…; para esses humanos, uma árvore, um peixe, uma planta selvagem ou domesticada migram com a maior facilidade do natural para o sobrenatural, da ordem prática das coisas para os mistérios e encantamentos da existência.

Coisa complicada. Se estes assuntos nos ensarilham os neurónios e se não tivermos acesso à Amazónia ou à alta cultura dos antropólogos, basta trocar umas impressões com pássaros viciados em fast-food.

Nos intervalos das bicadas, ora batata frita, ora pão, ora alface ou hambúrguer…, os pardalitos nos diriam quão secos e monótonos são os grãos das ervas que os seus semelhantes deglutem enquanto esvoaçam por intermináveis e cansativas campinas, sujeitos às inclemências e caprichos da natureza e que doces vantagens as da urbanização, das esplanadas e da cultura de massas, do bem que faz a mostarda à suavidade da plumagem e o ketchup para avivar o pigmento. Esta cultura pardalícia prefere a mesa da sociedade da abundância e da comida industrial e não quer saber da natureza selvagem do capitalismo, dos negócios da Macdonald’s, dos vegas e dos primitivos que comem peixe crú.

Tivessem o cérebro um pouco maior e fariam coisas que nos deixariam verdadeiramente apardalados!

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