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Crónica

PARIS

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Quando estamos perante tal ato de desumanidade, espera-se ouvir palavras de conforto, procura-se alento nas mais pequenas coisas, mas hoje, aqui me sento com papel e caneta e penso no que escrever, mas não há palavras. É bastante ingrato retratar um assunto sobre o qual ainda tão pouco se sabe e mesmo o pouco que se sabe é já tão cruel e penoso de se acreditar que é, de facto, esta a nossa realidade. Tantas são as questões, e tão poucas são as respostas; se sequer é possível justificar tais actos. A cada dia surgem novas informações, novos testemunhos, novas ameaças… uma crueldade desumana impensável que parece não ter fim. Nas ruas de Paris questiona-se «porquê» e «em nome de quê», mas o silêncio continua a falar mais alto.

Na noite dos atentados, a Torre Eiffel apagou as suas luzes, deixando às escuras, de luto, o símbolo maior da cidade. Contudo, desengane-se quem pensa que Paris, a célebre cidade da luz, perdera, assim, o seu brilho. Assim que a Torre Eiffel apagava as suas luzes, por todo o mundo, várias eram as cidades que iluminavam monumentos com as cores da bandeira francesa em homenagem às vítimas e a Paris. Uma homenagem e sobretudo uma mensagem de paz e união. Poucas horas depois dos ataques, já durante o dia 14 de Novembro, um pianista de identidade ainda desconhecida, toca na rua «Imagine» de John Lennon a poucos metros do Bataclan. Paris ouvia assim das mãos daquele pianista o conforto que naquelas horas de dor mais necessitava. Paz. Paris, horas depois de violentos ataques e massacres, unia-se, sem medo, em silêncio na rua e entoava a música que apela à Paz.

«Disse Nietzsche que tudo seria permitido se Deus não existisse, e eu respondo que precisamente por causa e em nome de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o pior, principalmente o mais horrendo e cruel.» Eram estas as palavras que José Saramago escrevia em 2001, num artigo lançado pouco depois do ataque terrorista ao World Trade Center em Nova Iorque. Penso que não encontro palavras mais certas do que as do mestre José Saramago para descrever o massacre de Paris. Terrorismo em nome de um Deus? Pois bem, não. José Saramago era ateu, eu sou agnóstica, mas pelos conhecimentos teológicos que possuo, posso afirmar que nenhum Deus proclama a morte de inocentes na sua religião. Terrorismo não é religião. E, por esse mesmo motivo, não devemos associar o terrorismo, de todo, a qualquer religião. Os atos de barbárie que aconteceram em nada honram quaisquer valores, sejam eles religiosos ou morais.

A França agora recupera, porque é tempo para isso e só com o tempo é que os franceses serão capazes de se recomporem de tal barbárie. Quando a dor é demasiada e tão intensa, acabamos por deixar de sentir, toda aquela dor transforma-se numa ausência de sentimentos e, por esse mesmo motivo, o tempo é crucial. O tempo irá sarar as feridas, mas as cicatrizes ficarão para sempre. A 13 de novembro de 2015, a França manteve-se, mesmo de luto e em lágrimas, em pé, sem medo. Aos valores franceses, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, nessa mesma noite, a França mostrou, o quarto valor do seu povo, e aquele que mais carece àqueles que atacaram o povo francês, Liberdade, Igualdade, Fraternidade e Humanidade.

Paris evoca em nós as luzes da cidade, os cheiros, as pessoas, aquela cidade tão única, que, a cada passo, nos faz sentir na alma Edith Piaf a entoar «La Vie En Rose» como um hino à singularidade da cidade e da sua gente. Depois dos ataques, voltemos a evocar Edith Piaf, mas desta vez, «La Foule», os parisienses, a sua essência livre a ecoar naqueles versos, mais alto do que qualquer bomba, mais alto do que qualquer tiro, mais alto do que o ódio.

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