Crónica

CRÓNICA DE UMA FOBIA ANUNCIADA

Published

on

Sou hipocondríaco. Sempre tive um medo desmedido de doenças e nunca soube de onde ele veio ou por que surgiu. O que sei, indubitavelmente, é agir como uma autêntica sentinela de alerta contra ameaças que possam traduzir pouca saúde. Tenho sob vigília o meu próprio corpo, sempre com receio de encontrar alguma marca ou sinal que indicie uma doença. Borbulhas, manchas, pisaduras, inchaços… Tudo é supervisionado.

Ser assim faz parte de quem realmente sou. Pesar-me ou medir a temperatura a toda a hora torna-se indispensável na minha rotina diária, círculo vicioso de prevenção. Mas até sinto um certo brio em agir com tão grande cautela e inquietação de espírito. Afinal de contas, ter a mania das doenças e estar atento ao corpo não é um problema, como todos declamam, e ir a correr para o médico com uma dor de cabeça não é, decerto, reflexo de uma mente perturbada.

O grande – e gravíssimo – problema reside nos que são capazes de desvalorizar o mesmo sintoma e nos que optam por tomar um comprimido dissolvido num copo de água. Alguns, entupidos de medicamentos, chegam ao ponto de piorar. Ora, não será de estranhar a minha preferência pela ida ao médico. Ao menos certifico-me de que está tudo bem e, convenhamos, sempre posso marcar novas análises.

Enfim, a inércia que caracteriza as pessoas quando se encontram doentes faz-me imensa confusão. E o mais irónico é que aqueles que dizem seguir impetuosamente o lema “com a saúde não se brinca” são, ao mesmo tempo, aqueles masoquistas que retiram prazer em passar os dias na cama com o termómetro na axila. Em nenhuma circunstância adotarei esse comportamento notavelmente irracional.

Quer eu esteja com tosse, com comichão, com sono ou com tremeliques nas pernas, o destino não é encher a minha cama de micróbios. É, sim, ver num computador a que se deve esta sintomatologia e pagar uma viagem ao consultório médico. Os meus dias seguem-se assim com ânsia, mas fico descontraído por saber que a tosse se devia ao remédio que espalho pela casa para matar aqueles mosquitos asquerosos e infecciosos; que a comichão era efeito das minhas alergias; que o sono era consequência de passar noites em branco a estudar enciclopédias de doenças; e que os tremeliques nas pernas se deviam à falta de açúcar no sangue. Raios partam o medo de contrair diabetes!

E é assim que, de um momento para o outro, todas estas manifestações horripilantes de um organismo em funcionamento anormal parecem ter uma explicação plausível. Facto é que jamais irei desvalorizar qualquer tipo de sintoma e jamais irei substituir as minhas refeições por cápsulas.

Simplesmente sinto esta enorme vontade de me certificar continuamente que o meu corpo não carrega consigo nenhuma enfermidade. Chamem-me maluco, ingénuo, imaturo, mas que se há-de fazer? Sou hipocondríaco.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Exit mobile version