Crónica
ALTA TENSÃO

Paisagem é uma coisa acerca da qual qualquer um pode dizer qualquer coisa. Senso comum, portanto. Na ciência não é muito diferente; abundam os discursos e não raro se contradizem. Dos múltiplos campos científicos que abordam a paisagem, cada um tem os seus métodos de construção do objeto científico, as suas teorias e conceitos e também as suas polémicas. Entre esses campos científicos não existe nenhuma taxa de câmbio que se possa usar para uns julgarem a legitimidade ou a objetividade dos outros – não se poderá pedir a alguém de Ecologia da Paisagem que verifique a justeza de alguma conclusão produzida por uma aproximação culturalista, por exemplo. Não existe uma meta-ciência da paisagem e nem sequer se deve forçar a existência de uma fronteira entre produção científica, ideologia ou senso comum. A estética, abundante no assunto, é, como diz Jacques Rancière, a partilha do sensível e a variedade de regimes que aí se podem encontrar, tal como na política.
Paisagem será então útil enquanto política. Da infinitude de discursos e de representações que sobre ela se possam construir (incluindo os que se dizem científicos), paisagem será apenas um modo de “paisagificar” consensos e conflitos sobre o que somos em comum e sobre o modo como nos reconhecemos e avaliamos os nossos territórios de pertença real ou simbólica.
Que descansem então os espigueiros entre a alta tensão eléctrica, a relva, os arbustos aparados e as oliveiras esculpidas como bonsais. Quem sabe, um dia, o milho regresse para secar.
