Crónica
PAISAGEM AOS BICOS
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Cosme e Damião, santos homens gémeos das arábias, praticavam medicina e pregavam a fé cristã sem por isso cobrarem qualquer dízimo. Um imperador romano mandou-os matar; outro ordenou que se lhes construísse um templo em Constantinopla nos idos de 530; um papa fez o mesmo em Roma e as coisas não ficaram por aqui[1].
Esta igreja de formas pontiagudas também lhes é consagrada. Que bem a conservem porque está o sistema nacional de saúde tão desconjuntado que vamos ter que voltar novamente às medicinas alternativas e à fé nos santos do oriente que curam sem levar dinheiro.
Bastante oriental é também aquele edifício azul de tendência chinoiserie, conhecido por pagode. É a sede de uma empresa que se estende por um latifúndio de naves industriais hoje quase vazias. Quem de entre os santos nos poderá salvar dos afundamentos?
Por vezes é preciso trepar a lugares mais altos para que tudo se veja com maior distanciamento e claridade. Para isso, quem não tiver cão, caça com máquina fotográfica e quem não tiver drone, sobe a pé, diz o povo na sua proverbial sabedoria. Assim se poderão vislumbrar das encostas de S. Cosme do Vale todos estes prodígios exóticos por entre eucaliptais, campos, hortas, fábricas, paredes e telhados aos bicos de telha marselha, azuis e em granito forrado de azulejo e cartelas de santos.
[1]ALMEIDA O.P., Fr. António-José (2013), “Os Santos Médicos Cosme e Damião nos Flos Sanctorum quinhentistas”, CEM, nº5, Cultura, Espaço & Memória:Revista do CITCEM, Faculdade de Letras da UP, Porto, p.133-154.
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