Devaneios
SEM DESTINATÁRIO
Sr. Pablo,
Tenho pensado muito naquilo que me disse da última vez que o vi. Não posso dizer que não concordo, nem posso dizer que concordo.
Relembro que me estou a referir a quando me aconselhou a “aprender as regras como um profissional, para as poder quebrar como um artista”. Isto está claramente visível na sua obra e eu admiro-o por isso, mas o processo de aprendizagem inibe o meu processo criativo.
Com isto quero dizer que perceber a arte, classificá-la e colocá-la em caixinhas, admitir que a poesia obedece a regras e que deve responder a critérios específicos, sinto que é insultar a personagem de Robin Williams e dos seus alunos da Dead Poets Society. Claramente que os puristas, académicos ou conservadores poderão negar ou antipatizar com esta filosofia, mas são suspeitos. No entanto, mesmo eu sou suspeito, eu que assumo querer ser espontâneo e verdadeiro, quando, na realidade, isto até possa ser uma farsa para a minha falta de vontade e dedicação ao estudo.
Mais, a tipologia, a gramática ou a linguística devem ser apenas guidelines para o processo criativo do escritor, dar-lhe uma ideia do que deverá fazer, mas sem o formatar para o padrão aceite, que irá inevitavelmente inibir a sua escrita.
No entanto, eu não sei nada sobre nada disto, como penso ser óbvio por esta altura. Tenho de aprender. Embora forçar a aprendizagem ao meu lápis seja a pior coisa que possa fazer. É preciso dar tempo, folga e vontade para a autenticidade aparecer, para eu olhar para o meu trabalho e ver-me a mim por quem eu sou, não por quem os outros acham que devo ser. Isto não é nada. Eu não sou um escritor competente. Tento, no entanto, ser algo mais que nada, ser algo mais que competente. Tento ser, e tento ser eu.
Porquê estar calado enquanto não sei falar bem? Porque não falar e disparatar até que o disparate passe a fazer sentido, não porque partiu do sentido, mas porque por si criou um sentido único?
Adeus por agora, e até ao dia em que o encontre pela primeira vez!
Pablo Picasso: 25 de outubro de 1881 – 8 de abril de 1973