Devaneios
AS COISAS QUE MAIS GOSTO NA VIDA XII
Esta rúbrica hibernou porque eu tenho andado em pesquisas profundas. Contudo, creio estar agora preparado para dissertar sobre modernidade – esse fenómeno que não cessa de me espantar! Venho, pois, propôr a definição de duas formas de se ser moderno: intrinsecamente e extrinsecamente. Pode-se ainda considerar a existência de uma técnica mista.
Comecemos por dissecar o modo intrínseco. Os Irmão Catita sugeriram há uns bons anitos uma curiosa abordagem ao assunto: Ser moderno é olhar para um Picasso e, de repente, perceber logo o que aquilo quer dizer. O moderno intrínseco é por excelência o avant-garde (mas muito muito avant; lá longe, mesmo), a nata da finura da sociedade emergente, a supra-eloquência feita carne… Dizem maravilhas das novidades cinematográficas mais banais, e tecem críticas quase poéticas aos mais desinteressantes discos acabados de sair. Quem não entende é ralé. E eu por mim acho que não há melhor sinal na vida de que estamos no bom caminho, do que ser presenteado com este desprezo!
Há os modernos responsáveis por não se poder debater coisa alguma, porque modernamente se instalou a complexa gíria do politicamente correcto (que é já quase um dialecto, com a sua escrita inclusiva e tudo), e quem não a domina é intolerante, rústico e tende para o lunático; enfim, é alguém a quem pedir silêncio.
E depois há os culpados por ser sempre um desgosto ir aos museus de arte contemporânea… É que se não exigirmos mais, muito mais!, do que mediocridade – mediocridade iremos encontrar em toda a parte. Ora, não há nada que o moderno intrínseco goste mais, do que montar altares em assuntos sem assunto para depois poder acusar os demais de serem uns brutos pacóvios que não compreenderem a genialidade das coisas. Reformulo: Vale a pena ir a tais museus, de vez em quando, só para apreciar ao que as pessoas se prestam para parecerem cultas! Noutro dia dei por mim rodeado de contemporaneidades quase todas obsoletas e encontrei duas ou três comadres que destrocavam em termos de neo-intelectualidade interpretativa. Apaixonei-me logo por elas enquanto esquartejavam uma daquelas obras mesmo à Tuga, com a clássica amálgama da glória de todos os séculos – D. Afonso Henriques a conquistar a Trofa, lá o coiso dos Descobrimentos, o gajo que tinha imensa miopia num olho, o Fernando Pessoa (marca registada), a tag team Amália-Eusébio, a Expo 98 (estou na maroteira, isso não)… – e tudo isto posto em tela de uma forma hedionda, pirosa… um ultraje! Pensei cá para mim: Bem, isto se eu for atrás das velhas, até que vai ser uma tarde bem passada! E assim foi que as segui até um quadro de uma enormidade (em termos de comprimento, largura e metros quadrados de mau gosto) considerável. Imagine-se uma catrefada sem fim de relógios de todos os tamanhos e feitios, amontoados num caos de ponteiros… Após cerca de dois minutos de contemplação intensíssima, surgiu o veridicto:
– Isto… isto é o tempo.
– Sim, é o tempo.
Obrigado, minhas senhoras, todo eu era riso por dentro; salvaram-me de uma crise de indignação estética! Nunca as esquecerei.
Ui, talvez me tenha alongado excessivamente… foi tanto tempo de ausência, que me entusiasmei. Adiante; falta esclarecer o Mundo no que toca ao moderno extrínseco. Este último não tem de ser necessariamente requintado, importa-lhe apenas acompanhar as modas. Repare-se que isto pode ser feito de forma perfeitamente não rebuscada – da qual se obtém o azeiteiro-tipo. Não nos demoremos, porém, a analisar a essência daquilo que é estar na moda, pois com isso perderíamos muito rapidamente toda a esperança na Humanidade – e eu aos meus leitores (por favor, ao fim de doze rúbricas não me digam que ainda há algum!) não desejo nada menos do que um padecimento lento!
Termino transcrevendo (mais coisa menos coisa) uma resposta minha no exame de Evolução, na qual consegui (não sei bem como ao certo) incluir uma abordagem científica a esta questão da modernidade extrínseca. Pedia-nos o professor para definirmos selecção disjuntiva e dar um exemplo explicativo…
“(Uma vez apresentada a definição), podemo-nos apropriar da Fisherian runaway selection para dar um exemplo prático. Este modelo sustenta a possibilidade de surgir em populações distinctas, ou no seio de uma mesma, diferentes preferências face a certos traços-chave, tendencialmente por parte das fêmeas (o que explica o aparecimento de homens com manga caveada, calças para baixo e caps, mesmo quando em interiores), e isto pode provocar desvios na composição genética da população ao longo das gerações – esperando-se uma redução da heterozigotia nos genes afectados pelas preferências. Este caso, levado ao extremo, pode conduzir a fenómenos de especiação (eu, por exemplo, gostaria de ser considerado uma espécie diferente dos tais homens de manga caveada, calças para baixo e caps em interiores).”
A técnica mista fica para TPC.
Primeiramente: aos meus amigos que usam escrita inclusiva e caps, gosto imenso de vocês na mesma (só que um bocadinho menos)!
Secundamente:
Selecção disruptiva – neste tipo de selecção os genótipos heterozigóticos apresentam um fitness reduzido, obtendo-se picos adaptativos para os genótipos homozigóticos. Isto pode-se dever a questões de incompatibilidade gamética.
Fisherian runaway selection – modelo de selecção sexual proposto por Ronald Fisher, que postula o surgimento de preferências por parte de um dos sexos, determinante da frequência de traços-chave no outro sexo. Na verdade a apropriação não foi muito feliz da minha parte, repare-se: se nos focarmos numa única população, o surgimento de preferências por certos traços pode conduzir a valores de equilíbrio (selecção disruptiva), mas também tornar-se numa tendência absoluta (e neste caso tratar-se-ia de selecção direccionada, para apenas um dado fenótipo). Agora se pensarmos num conjunto de populações, cada qual com as suas preferências, então poderemos considerar sempre um caso de selecção disruptiva para o todo.