Devaneios
diário da peste
não, não foram os zombies
nem um apocalipse nuclear,
tampouco o início de uma guerra biológica
ou uma praga aleatória qualquer;
foi outra peste virulenta o que nos atingiu
à moda dos tempos de outrora
de dimensão de catástrofe bíblica profetizada
será castigo divino? isso nunca o saberemos
terá sido acidente de laboratório? isso só podemos conjeturar
consequência de alguma imprudência da estupidez humana? há grandes probabilidades disso
mutação genética de um vírus assassino que se propagou até nós por entre espécies? hipótese com maior probabilidade
mas a verdade inequívoca da sua origem, ninguém a sabe
seja como for
aconteceu
e as casas tornaram-se refúgios
e mesmo nos refúgios, esta peste, este vírus, encontra-se
sempre preparado e atento,
agressivo nas fileiras do seu exército,
à espera de um descuido inconsciente,
de uma negligência inocente;
inimigo invisível, perigoso e constante
que nos aprisionou numa rotina
de pijama e de instabilidade emocional,
de aperto, de ansiedades,
de falta de toque e carinho;
que nos apartou dos nossos vícios sociais,
da nossa liberdade,
da nossa identidade
individual e coletiva
peste nefasta,
mais globalizada do que todas as anteriores,
que nos conquistou pelo medo
como fazem os tiranos,
observando todos os nossos movimentos
controlados pela obsessão de contágio,
nervosos na sua impotência,
e instalou a morte inesperada e inevitável
nas nossas vidas,
arrasando famílias, comunidades,
destinos, fés, esperanças
cada dia, nova estatística trágica,
maior o cansaço,
mais débil a esperança
e não, não foram os zombies
nem um apocalipse nuclear,
tampouco o início de uma guerra biológica
ou uma praga aleatória qualquer
terá sido a abertura de um dos selos?
ou o tocar de alguma das trompetas?
pouco se sabe e já tudo se pensa
os médicos estão exaustos
os sábios calados
os padres não encontram respostas
e os curiosos já quase nada perguntam
estamos entregues à nossa fragilidade
esgotados, reduzidos,
de novo só humanos
Artigo da autoria de Sandra Luísa Soares