Devaneios

O ator

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A cortina abre e “o ator cresce no seu ato/faz crescer o ato/o ator actifica-se”. Apodera-se do palco e o palco torna-se o mundo inteiro. Transforma-se, multiplica-se, divide-se, sem nunca se fragmentar.

O ator é a tela em branco e é, ao mesmo tempo, a cor, o pincel, o pintor. Pinta céus e levita neles, flameja nas trevas que concebeu. É quem dá significado ao gesto e corpo ao sonho. Perpetua, infinitas vezes, o sonho.

Quando o Homem renuncia ao espetáculo da vida, nasce o ator que vive mil vidas porque transcende a condição humana. O ator despe-se da sua pele para vestir a pele dos outros. Murmura o oposto do que pensa, lamenta em prantos o sofrimento que não lhe pertence, e canta a felicidade que desconhece. Morre e ressuscita, mas nunca desaparece. É o corpo sempre presente, em todo o lado.

O magnânimo ator bebe o guião, acende as palavras, incendeia multidões. Toma a dor do outro, finge senti-la até que se converta na sua dor. Esmiúça a amargura até que dela brote a maior das alegrias. Ama desmedidamente. Encarna o poeta, o bêbedo, a varina, o louco. É, por isso, o dono das mãos que fazem o bem e o mal, dos pés que conhecem e atravessam todos os caminhos. Dono de todas as sensações.

No fim, mal a cortina se fecha, o invencível ator recolhe-se e retorna à figura que o pano ocultou. Assusta-se quando olha para dentro e reconhece a metamorfose que nele mesmo fez emergir. Afinal, “o ator é um tenebroso recolhimento de onde brota a pantomina”.

Artigo da autoria de Inês Sousa e Silva

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