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Devaneios

Freud Explica: Deformação Onírica Vira Memes nas Redes Sociais 

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Imagem de um cenário surreal inspirado na arte renascentista, com estátuas e colunas levemente distorcidas em uma paisagem de sonho. O céu está vibrante e cores mesclam elementos de fantasia e realidade.
Vivemos numa Era neural onde os nossos problemas começam se instalando em nossas cabeças | Imagem: IA (ChatGPT)

Deformação, um dos mecanismos de interpretação estabelecido por Freud ao estudar e analisar os sonhos, ganha a internet. Vídeos e memes rondam as redes sociais para ilustrar “sonhos loucos” com situações sem sentido. Mas Freud explica. 

“Todos os sonhos têm um significado: o meu sonho”. Você, com certeza, já deve ter deslizado pela tela do telemóvel e dado de cara com vários vídeos sem “pé, nem cabeça” onde as coisas, personagens e objetos que compõem a cena vão se transformando em outros de forma aleatória. Na psicanálise freudiana, isso é um exemplo de deformação onírica. 

Rede Social. Os vídeos começam geralmente com uma narrativa que parece se encaminhar para algo concreto ou familiar, mas, subitamente, há uma transformação, seja numa situação absurda, cômica ou algo totalmente surreal. Nas redes sociais, esses conteúdos têm piada ao criar uma relação de expectativa e, depois, surpreender com algo absurdamente inesperado. 

Segundo Freud, o pai da psicanálise e autor da obra Interpretação dos Sonhos (1900), a deformação onírica mistura vários resíduos do estado de vigília — quando estamos acordados —, ou seja, o conteúdo inconsciente é distorcido, mascarado ou transformado em algo menos ameaçador para o sonhador, devido às pressões de repressão. Feito isso, essa informação consegue “acessar” a consciência a partir dos sonhos. 

Num processo de condensação onírica, vários pensamentos ou desejos inconscientes são combinados em uma única imagem, ou evento no sonho — em frames de “informações residuais” —, gerando essas imagens que têm um pouco de cada um, mas não são nenhuma em especial. 

Por exemplo, quando sonhamos com uma pessoa que tem barba de um conhecido, nariz de outro e, finalmente, verbaliza coisas de uma terceira pessoa.

Deformação Onírica: Como é Feito o Sonho?

A deformação onírica refere-se à distorção dos desejos ou pensamentos inconscientes para que eles se tornem irreconhecíveis no sonho. Esse mecanismo de censura interna é uma forma de proteger o sonhador de conteúdos perturbadores ou inaceitáveis para sua consciência — isso é definido por essa regulação moral subjetiva. 

A deformação ocorre, principalmente, porque há forças de repressão que atuam sobre os desejos inconscientes, transformando-os em algo mais aceitável ou mais simbólico, mascarando o verdadeiro significado.

Forças repressoras. Freud acreditava que certos desejos ou pensamentos são inaceitáveis para a consciência, então, ao serem reprimidos, eles são transformados durante o sonho em algo que parece menos ameaçador ou chocante.

Disfarce de desejos. O sonho deforma esses desejos mediante símbolos, metáforas e narrativas aparentemente desconexas, que estão a cargo de dificultar a percepção desse material manifesto. Isso ajuda para a realização desse “desejo do inconsciente” em sonho. 

Uma pessoa que tem um desejo de posse/dominação reprimido, por exemplo, pode sonhar que está lutando contra um animal selvagem. Esse sonho, aparentemente desconexo, esconde o verdadeiro desejo de dominar ou controlar uma situação, ou pessoa na realidade. E esse animal, via de regra, apresenta alguma representação simbólica desse desejo. 

Por que Eu quis sonhar isso?

O sistema de construção e reprodução do sonho, essa máquina estabelecida entre o inconsciente (Ic) e o pré-consciente (Pcs), é muito refinada. A forma como esse grande guardião regulador (censura) age para fazer com que os nossos maiores desejos reprimidos cheguem à luz da consciência é realmente uma força tarefa. 

Assim, o conteúdo latente do sonho, que carrega esses desejos reprimidos, é transformado em conteúdo manifesto, que é aquilo que efetivamente conseguimos lembrar e contar ao acordar — ou esquecer rapidamente quando ignoramos. 

A deformação, assim como o processo de condensação do sonho, são fenômenos que buscam burlar esse mecanismo de defesa estabelecido pelo sonhador no pré-consciente para impedi-lo de realizar aquilo que tanto deseja, mas que é moralmente inaceitável segundo as suas próprias leis estabelecidas. 

Esta é uma forma de enganar essa censura e manifestar na consciência os seus desejos reprimidos no inconsciente. 

Sonho Dentro do Sonho: Um Cavalo de Troia

A condensação é um processo pelo qual múltiplas ideias, imagens ou desejos inconscientes são “comprimidos” em uma única representação no sonho. Isso significa que uma única imagem ou cena do sonho pode representar várias coisas ao mesmo tempo, muitas vezes ligadas a significados inconscientes diferentes. 

Para Freud, o sonho nunca é uma representação direta de um pensamento ou desejo consciente; em vez disso, ele é um resumo condensado de várias associações “fabricadas” pelos objetos, situações e ações trazidas do estado de vigília e que são somados aos impulsos inconscientes que desejam chegar a consciência, mas que foram censurados pela “moral” (Superego).

Por exemplo, uma pessoa sonha vestido com uma t-shirt que a faz lembra — em sonho — dessa pessoa desejada, mas que é “proibida” (sei lá, um familiar, um namorado de uma amigo). Essa t-shirt pode trazer características dessa pessoa, alguma frase relacional, uma cor marcante, ou até mesmo ser dessa pessoa. Esse objeto está a simbolizar essas emoções reprimidas; e, no sonho, você veste a camisa. Ela pertence a você.

Esse processo de condensação envolve a fusão de vários elementos inconscientes em um só, criando uma complexidade simbólica no conteúdo do sonho, manifestado esse desejo reprimido. 

Tanto a deformação como a condensação são dois processos oníricos interpretativos que “justificam” porque os sonhos aparecem frequentemente fragmentados, confusos ou simbólicos, podendo ser considerados a base do trabalho interpretativo para desvendar os verdadeiros significados ocultos no sonho.

Mercado Digital: A terapia Ganha Cada Vez Mais Espaço no Mundo

Estamos vivendo uma Era Neural (HAN) onde os nossos problemas começam se instalando em nossas cabeças. A Saúde Mental já é um assunto discutido na mesa do jantar. E que bom. O aumento na procura por profissionais de psicologia foi impulsionado, tanto pelo pós-pandemia, mas também pelo aumento significativo dos casos de ansiedade e depressão.

Essa ampliação da busca tem dado espaço para terapias alternativas. Também conhecidas como terapias complementares, elas englobam uma série de práticas voltadas para a promoção do bem-estar e da saúde, muitas vezes utilizadas em conjunto com tratamentos convencionais. 

Entre elas, destacam-se a acupuntura, aromaterapia, homeopatia, fitoterapia, reiki, meditação e ioga. Essas abordagens visam tratar o indivíduo na totalidade, considerando aspectos físicos, emocionais e energéticos, buscando o equilíbrio do corpo e da mente. 

Atenção: embora algumas tenham base em tradições milenares, como as medicinas chinesa e ayurvédica, muitas ainda carecem de validação científica ampla, sendo recomendadas como complementares, e não substitutivas, à medicina tradicional.

Terapeutas das Redes Sociais 

Em contrapartida, muitos vídeos com influencers apresentando e comentando “quadros clínicos”, traçando perfis de pessoas narcisistas baseados em achismos e pulverizando, vulgarmente, neuroses sem muito fundamento, acaba por estigmatizar alguns desses transtornos, bem como a relativizar as relações. Conteúdos assim colaboram para essa violência digital de “auto validação” enquanto indivíduos egoístas que desejam estar sempre em primeiro plano. 

Esses “diagnósticos” rasos acabam por tornar as relações interpessoais cada vez mais frágeis ao promover essa cultura do desinteresse e da falta de empatia, tornado as pessoas impacientes ao definir esse outro como um “problemático”; mas que, na verdade, somos nós que não conseguimos gerir relações que “fogem” do nosso mínimo controle. Somos inculpados tal qual o capitalismo é. 

É importante ter em mente que terapia requer tempo. Ela deve ser realizada com um profissional de sua confiança; aplicando um método que você minimamente acredite. Não é apenas sentar e performar os seus desejos de mudança. O processo terapêutico requer também: autorreconhecimento, autoavaliação e uma contextualização metodológica. 

Máquina de sonhos: a rede social torna tudo mais real?

Além da piada, esses vídeos captam a nossa atenção porque, como nos sonhos, somos atraídos por aquilo que não entendemos de imediato ou que parece nos escapar à lógica. Eles despertam em nós a sensação de surpresa e desorientação similar à de um sonho, onde o familiar e o absurdo coexistem. 

Essa experiência mista de confusão e compreensão incompleta é o que torna este conteúdo tão fascinante e popular, evocando como nosso inconsciente trabalha para apresentar conteúdos de maneira deformada, para que, de algum modo, possamos lidar com eles.

O que parece apenas mais uma simples brincadeira visual da internet, acaba tocando em aspectos profundos da psique humana, convidando o espectador a experimentar, em um formato moderno e digital, o que Freud descreveu como um dos mecanismos essenciais do sonho e da mente inconsciente. A internet é mesmo esse emaranhado de coisas, né? Um sonho, até. 

 

Artigo da autoria de Ícaro Machado