Devaneios

HELIOS I EREBUS

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Ana Alves

Curiosa com o que poderia querer representar o nome do novo álbum dos “God is an Astronaut” apresento um excerto da Odisseia de Homero, um dos dois principais poemas épicos da Grécia Antiga. Helios e Erebos são mencionados no poema. E até vem a calhar, visto que o povo helénico tem corrido muito cabeçalho, rodapé e ‘like’ não só na Comunidade Europeia, como em todo o mundo.

A obra canta as aventuras de Ulisses e a superação desesperada dos perigos, nas ameaças que lhe surgem na luta pela sobrevivência, de volta a Ítaca, sua terra natal, após a Guerra com Tróia. A determinada altura da narrativa, Ulisses e os seus homens chegam a uma ilha dedicada ao deus Helios1. Lá, os homens de Ulisses, esganados de fome, matam alguns dos animais. Helios fica enfurecido e queixa-se a Zeus, ameaçando de que iria tomar o sol e fazê-lo brilhar no submundo2. Assim, de modo a evitar tal catástrofe, Zeus destrói o navio de Ulisses com um raio, matando todos os homens, excepto o herói. Em Ítaca, o povo parecia ter-se esquecido da importância dos actos de Ulisses, agora desaparecido, que fora capaz de devolver a honra aos gregos após os 10 anos de conflitos. Contudo, não se sabendo novas dele, o poder estabelecido na Ilha, que era representado pelos pretendentes ao trono, ameaçava tomar conta. A esposa Penélope e o seu filho Telémaco já pouco podiam fazer. Até que, desesperado, este decide erguer-se e falar ao povo:

“Que ao velho obedecia; este prudente3
Orou de grado: “Cidadãos, ouvi-me,
Cetrígero4 nenhum benigno seja,
Nem precatado e bom, sim duro e injusto,
Já que o povo deslembra o divo Ulisses,
Rei homem, rei e pai, senhor e amigo.
Aos cegos procos a violência passo,
Porque, a seu risco devorando a casa,
Pensam que Ulisses nunca mais ressurja;
Ardo só contra o povo, que estais mudos,
Que, tantos sendo, ao menos com palavras,
Não reprimis o orgulho de tão poucos”.

A história de Homero não deixa de enaltecer os gregos até ao fim e Ulisses volta para casa, recuperando o trono. Já nas melodias do álbum dos God is an Astronaut podemos identificar forças díspares, como se cantassem a epopéia do autor e retratassem a brutalidade do que seria se a luz invadisse finalmente as trevas.

Mas, se Ulisses sobrevive aos poderes do deus do Olimpo, tampouco um simples titã seria capaz de irradicar um dos deuses criadores.

Tal como o nome da banda, também o nome do álbum é bastante arrojado mas não podemos deixar de dar mérito ao acto corajoso dos músicos, fazendo deles heróis, como se prestassemos ouvidos a Telémaco. Afinal de contas, se houvesse o fim do mundo, haveria banda sonora.

 

1Hélios é o Titã do Sol. Nada do que se passa no universo escapa ao seu olhar, sendo frequentemente convocado por outros deuses para servir como testemunha.

2Érebo, deus primordial, é filho do Caos e representante das trevas e da escuridão; Tem os seus domínios demarcados pelos seus mantos escuros e sem vida, predominando sobre as regiões do espaço infinito conhecidas como “Vácuo”.

3Telémaco, filho de Ulisses

4Aquele que usa o ceptro. Qualquer poder ou ascendência; o que se exerce de modo autoritário.

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