Devaneios

NÃO TENHO CERTEZAS

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Nina Ribeiro

“Não tenho certezas”. Podia perfeitamente ser uma frase minha, aqui colocada como introdução, ainda que aparecendo no final fosse igualmente lógico, uma vez que as minhas conclusões nunca chegam a ser certezas. As aspas denunciam, todavia, a transcrição. Resguardando, assim, por meio da pontuação, o que não pode ser resguardado de mais forma nenhuma, apesar de todas as leis do copyright. Este é um verso de Miguel Torga e é também o mais comum dos pensamentos daquele pessoal que já deu entrada na segunda década e já se viu hipotecado até aos dentes apesar do investimento.

Ora, malta dos 20’s: alguns de nós – muitos de nós – já estiveram aquelas duas horas ao telemóvel com a melhor amiga a falar sobre independência, ter o nosso dinheiro, não saber o que fazer a seguir, ter planos e objetivos e não ter futuro. Passamos tardes sentados numa esplanada a falar sobre isto. E todos nós os consolamos com esses argumentos que usamos em nós: “acabaste de sair de um curso”, “somos tão novos” e “não stresses, só temos 20 e tal anos” ou “até é bom teres tempo livre para te focares em ti, agora podes fazer ioga”.

Estamos todos desconsolados e insatisfeitos e aterrorizados. Vamos caminhando com ares de indiferença, chutando as pedras da calçada ou pisando-as, levantando uma nuvem de poeira à nossa volta de dentro da qual nada parece claro. Não temos respostas, portanto não façam perguntas (pai, mãe: isto também serve para vocês). Já todos sabemos que somos únicos e especiais, enfim: “All Stars” “Off the Wall”. Mas, postas as Converse e as Vans de parte, se tentarmos fazer o resto do caminho descalços, sem confortos e sem vaidades, encontramos uma ou duas verdades debaixo dos pés a roçar, incómodas, na pele. E as preocupações vão-se acumulando, enquanto a força para lhes fazer frente vai sucumbindo à inutilização dos dias. Entre amanhecer e pôr-do-sol, nunca há tempo para nada: o próprio tempo nos vai levando a seu ritmo, no mesmo movimento contido, preciso, fechado com que vemos o ponteiro dos segundos mover-se num relógio de parede. Nós só queríamos que ele parasse. E aqui não importa se temos 20, 30 ou 40 anos. Em Elogio da Loucura, Erasmo de Roterdão escreveu o seguinte: “Só a loucura retarda o curso rápido da juventude, e afasta de nós a velhice importuna.”

Quanto a mim, não sei onde toda esta escrita e todas estas palavras e frases e conjuntos inteiros de linhas assemelhando-se a parágrafos e todo este destilar de raciocínios pueris me irão levar. Provavelmente a lado nenhum. Saudades do futuro e de tudo aquilo que poderia ser. Saudades de quem serei e de quem conhecerei e de quem não voltarei a ver. Tirem de mim tudo o que sinto e toda esta maldita saudade e eu serei nada e serei feliz. Já pareço uma certa Pessoa a falar.

Enfim, estamos em agosto, passa pouco das quatro da manhã. De volta ao meu tugúrio, concluo que os 20’s são isto, esta espécie de limbo onde vais deambulando entre as tuas memórias de infância e as tuas expectativas para a vida de adulto. Os 20’s levam-te a sair numa noite e acordar às duas da tarde do dia seguinte com 432 fotos no teu smartphone, não sabendo de como metade lá foi parar. Os 20’s são meia dúzia de parágrafos a tentar explicar que basicamente não sabes o que andas aqui a fazer, mas com os quais outros se poderão identificar, porque tu não és só tu, mas uma geração inteira de ‘incer-tesos’. Os 20’s são mais uma descoberta, mais uma exploração daquilo que te interessa, daquilo que te intriga e de tudo aquilo que possivelmente te mostre quem tu és. E tudo isto se faz vivendo no ténue equilíbrio que existe entre a inocência e a loucura, a solidão e a multidão, o sofá e a rua, o copo de leite e o shot de tequila.

A noite acabou. São duas da tarde. “Não tenho certezas”.

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