Artigo de Opinião
TRANSPORTES AÉREOS DA PORTELA
Temos assistido, nas últimas semanas, a um confronto crescente entre a Câmara do Porto, sobretudo na pessoa do seu presidente, Rui Moreira, e a TAP, empresa que já foi pública, já foi privada, e é agora detida em 50% pelo Governo de Portugal. Em causa está a estratégia da operação da TAP no aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, com a qual a Câmara não concorda. Este é um assunto complexo e que convém tratar com a maior objetividade possível. Existem muitos dados à disposição e, para complicar, guerras regionais que enviesam as declarações dos opinion-makers com maior presença na comunicação social.
Esta discussão tinha já alguma pertinência durante o breve período em que a empresa foi privada, devido ao caderno de encargos que o anterior Governo definiu, e que tinha como objetivo proteger os interesses de Portugal. Agora que o atual governo assumiu a postura ideológica de controlo estatal da TAP, mais pertinente é que se pensem as decisões da empresa. Um organismo público tem de ser bem gerido, e é necessário pesar as opções, tendo em conta não só o esforço financeiro, mas também a utilidade pública e o impacto noutros setores da sociedade. Boa gestão pública não significa dar lucro (embora isso seja, claro está, conveniente); a coisa pública é bem gerida quando se extrai dela o máximo de potencial, algo que não aconteceu, pelo menos, nos últimos anos da TAP.
As rotas entre o Porto e quatro cidades europeias foram canceladas, e os motivos alegados são de ordem puramente financeira. Importa verificar se há, realmente, prejuízo na operação destas rotas, e também pesar as consequências que o seu encerramento implica em termos económicos. Uma vez que a acusação tem, tradicionalmente, o ónus da prova, a Câmara do Porto foi pronta a justificar as críticas que fez, divulgando as taxas de ocupação dos voos e desmentindo sempre os desmentidos da TAP, que tentou encobrir o processo de forma muito suspeita. Duvido sempre de quem alega motivos fortes e depois tem receio de se justificar de forma clara e transparente (sobretudo quando as razões são tão objetivas como dados numéricos).
Se a taxa de ocupação podia não servir como prova definitiva, no dia 15 de fevereiro a Câmara conseguiu acesso aos relatórios de contas da TAP e de empresas do grupo, como a Portugália, que operava a maior parte das rotas no Porto, e estes relatórios são bem reveladores. Citando rapidamente dados disponíveis no site de notícias da câmara, dos 85 milhões de euros de prejuízo no ano de 2014, 22 milhões são provocados pelo negócio (ruinoso, sem que ninguém se lembre de o abandonar) da manutenção no Brasil e 46 milhões são provocados pela operação no hub de Lisboa. Quanto ao Porto, pode ver-se nos relatórios da Portugália que a operação, se não foi lucrativa, então isso ficou a dever-se às inúmeras greves e a cancelamentos por ordem técnica. Aliás, vemos até no documento legitimado e assinado por Fernando Pinto, presidente-executivo da TAP, que o prejuízo só não foi maior, porque a procura forte compensou os contratempos.
Apesar de parecer provado que a operação não era ruinosa do ponto de vista da sustentabilidade da empresa, e uma vez que a TAP é realmente de todos nós, cidadãos portugueses, importa falar do impacto que o cancelamento dos voos tem na economia nacional (e aqui fica um primeiro aviso para aqueles que gostam de alegar motivos de guerra regional – tudo isto tem um impacto nacional alargado, e não é só o Porto a sair prejudicado). A economia da região, cada vez mais dependente das exportações, tem em Bruxelas, em Barcelona e, sobretudo, em Milão, fortes relações negociais; é graças a estes voos que muitos dos negócios são possíveis. Acabando-se os voos, ficam em risco os negócios e disso resulta a destruição de milhares de empregos, com custos enormes para o Estado, de ordem financeira e, sobretudo, de ordem social. Para além do impacto em setores económicos produtivos, há problemas no setor do turismo, um serviço que tem permitido criar um pólo interessantíssimo em torno da cidade do Porto e que tem recebido merecidos elogios a nível nacional e internacional.
Há uma questão de longo prazo que importa tratar em articulação com os impactos do cancelamento destes voos. A TAP é, para todos os efeitos, a companhia de bandeira do Estado Português, e isso permite-lhe exclusividade para certos destinos, alguns destes estratégicos, como os voos para o Brasil. Ora, se a TAP começa a esvaziar o Porto, um próximo passo poderá ser o cancelamento de voos internacionais que não são passíveis de serem suprimidos por outras companhias. O Porto é uma cidade com uma estratégia de internacionalização muito forte e pode ver os seus esforços comprometidos por este tipo de manobras.
Existem algumas narrativas na opinião pública que pretendem disfarçar de uma outra forma a decisão da TAP. Parece que, segundo essas mesmas vozes, o aeroporto do Porto está feito apenas para companhias low cost e não é favorável às companhias com modelo de negócio tradicional operar a partir de Sá Carneiro. Das duas uma: ou a British Airways, a Lufthansa e a Turkish Airlines, que aumentaram recentemente a sua operação no Porto, são companhias low cost, ou esta é mais uma tentativa falhada de esconder as verdadeiras razões da atitude que a TAP tomou.
Estas seriam razões mais do que suficientes para manter uma operação a partir do Porto, mesmo que ela não se conseguisse pagar sozinha. Afinal, o Metro de Lisboa e a Carris dão prejuízos há anos a fio e é impensável alguém sugerir que estes serviços se deviam encerrar, apesar de serem úteis apenas aos cidadãos da região de Lisboa. Felizmente, os voos que ligam o Porto à Europa são uma fonte de receita para uma empresa pública e portanto todos os dados apontam para o restabelecimento destas rotas.
Se todos os argumentos lógicos pesam a favor da permanência da TAP no Porto e da manutenção ou até, quem sabe, da expansão da operação a partir do aeroporto Francisco Sá Carneiro, qual é a estratégia dos gestores e do dono maioritário, o Estado Português? Nesta fase entramos em especulação, mas tentarei tecer um raciocínio que a sustente.
Uma das grandes bandeiras do governo de Sócrates foi a definição de uma alternativa à Portela, já que era, para esse governo, bastante claro que esse aeroporto estaria saturado dentro de alguns anos. Mais de uma década depois, o aeroporto de Lisboa continua a ser capaz de acomodar os passageiros que lá chegam, e não parece estar, nem sequer agora, perto da catástrofe que alguns Bandarras anunciaram. É ainda mais curioso constatar que, depois da legislatura da coligação PSD e CDS-PP, durante a qual o tema do aeroporto esteve escondido, a saturação da Portela volta a ser colocada na mesa pelo governo socialista, o mesmo governo que optou ideologicamente por conservar a TAP no universo público e que agora parece estar com dificuldades em defender os interesses nacionais. Será esta uma estratégia concertada para conseguir provocar, desta feita, um aumento real e incomportável do tráfego na Portela e, consequentemente, uma nova obra pública faraónica?
Se o governo não tem sido capaz de defender os interesses nacionais, os partidos da oposição também não têm tratado este assunto com a assertividade que ele merece. Aliás, nem mesmo os deputados eleitos pelas regiões que estão a ser prejudicadas são capazes de vir condenar com firmeza aquilo que é, no mínimo, uma decisão mal explicada, e, no pior dos cenários, uma jogada concertada para saturar a Portela e esvaziar o aeroporto Francisco Sá Carneiro.
Finalmente, compreendo que haja alguns leitores a perguntar-se: o que me leva a afirmar que esta questão é do interesse nacional? Afinal, qual é o problema de os passageiros do Porto terem de ir até Lisboa apanhar outros voos? Esta última pergunta tem recebido respostas que eu considero muito preocupantes, sobretudo quando vindas de personalidades mediaticamente influentes e que eu tinha como razoáveis. Infelizmente, toda a questão tem sido ofuscada por guerras bairristas e que só prejudicam o país na sua totalidade. Tentarei demonstrar a importância de alargar a todo o país a defesa dos interesses nacionais aqui implicados.
É na região servida pelo aeroporto Francisco Sá Carneiro que está uma parte importante do tecido empresarial nacional, algumas das principais Universidades do País, entre outros recursos. É do interesse de qualquer cidadão português, viva ele seja onde for, que o desenvolvimento esteja bem distribuído por todo o país, já que o desaproveitamento das potencialidades de qualquer das regiões prejudicará o progresso da totalidade do território. Desengane-se quem pensa que Portugal pode ser um país desenvolvido e competitivo se tem apenas uma cidade com dimensão internacional. Todas as grandes nações do mundo têm várias cidades a “mover” o país, aproveitando as vantagens específicas de cada uma delas, e é até da estimulação mútua entre essas cidades que surge algum do desenvolvimento necessário. Pensar em ter apenas Lisboa como cidade portuguesa com relevância estratégica é de um provincialismo ridículo e, enquanto essa perspetiva vigorar, o país terá enormes dificuldades em assumir relevo internacional.
O Porto foi, ao longo da história de Portugal, um foco de progresso e de ignição de transformações profundas na sociedade. Caso o Governo perceba a importância da questão e o dever que tem em resolvê-la, a Invicta poderá voltar a ser um marco na inversão das qualidades de gestão da TAP e na capacidade de ter parcerias com privados que, ao invés de lesarem o erário público, estimulam o desenvolvimento do país.