Artigo de Opinião

FÁTIMA A TROCO DE 500

Published

on

No Século Cómico, de 14 de outubro de 1917, podia ler-se: “Conservamos [os portugueses] a nossa habitual indiferença, como se a aparição da mãe de Jesus Cristo fosse para nós a coisa mais natural deste mundo. Vimos passar para a charneca centos, milhares talvez, de peregrinos crentes, curiosos, amadores de picnics, vendedores de água fresca e capilé, repórteres e vendedores de vinho a retalho.” Passaram quase cem anos e o meu espanto continua semelhante: porque é que esta história dos três pastorinhos e de uma virgem não nos é motivo de risota?

A primordial pergunta em relação a este conto é a possível razão pela qual Nossa Senhora decidiu aparecer, mas, até isso, foi explicado por Lúcia: “Quero dizer-te que façam aqui uma capela em Minha honra, que sou a Senhora do Rosário, que continuem sempre a rezar o terço todos os dias.” Com tal afirmação, o país viveu num pico de euforia espiritual que se tornou, assim, uma excelente oportunidade para combater o laicismo da Primeira República através de uma iniciativa que consistia em rezar o terço, comungar ao domingo e ter em casa uma imagem de Nossa Senhora: a Cruzada do Rosário, dando início ao mês de Maria.

Segundo um documento escrito por Lúcia, em 1941, os dois primeiros segredos eram “A revelação do Inferno”, “A obrigatoriedade da adoração” e, mais tarde em 2000, o terceiro foi revelado como uma visão de um homem de branco sob a ameaça de uma espada, que levou o Vaticano a decretar que era uma antevisão ao atentado ao Papa João Paulo II. Este tipo de afirmações só nos ajuda a ter uma ideia de como era vivida a religião naquele tempo: Deus grita, exige e, caso não se cumpra, castiga.

Mais revoltante que a história por detrás de uma capela tão bonita é todo o negócio que se gerou em volta dela: luz divina, água benta, santos, tudo se vende e se consome em Fátima.

Todas estas ideias prendem a religião ao Antigo Testamento que tanto querem esquecer e que mostrava uma ideia de Deus egoísta e ameaçador. Assim, saliento a questão: porquê o medo e não o bem? Não chegamos nós a uma evolução intelectual suficiente para pararmos de ter o pensamento de “não questionar a fé” devido ao “mistério”? Já está na hora de não sermos crianças pastoras de 1917.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Exit mobile version