Artigo de Opinião
1 MISSISSIPI, 2 MISSISSIPI, 3 MISSISSIPI…
Sinceramente, começo a perder a esperança nos americanos e no seu so-called “sonho americano”, que, resumidamente, se pauta por todo um ideal liberal que dá a oportunidade de ascender socialmente, de alcançar sucesso e prosperidade – através de esforço e mérito próprio, claro – a todos aqueles que se inserirem naquela que se auto-proclama de “sociedade sem barreiras”, onde “todos os homens são criados iguais”. Sempre nos venderam a ideia de que os norte-americanos eram das pessoas mais avançadas do mundo em todos os sentidos, especialmente desde que elegeram um presidente de cor para ficar à frente do seu país. Pessoalmente, sempre pus as minhas dúvidas quanto a isso, e o que sucedeu na passada terça-feira só veio reforçar todo este meu sentimento de desconfiança.
Como já devem ter tido oportunidade de ler algures pelas redes sociais, no passado dia 5 de abril, o governador do Mississipi, Phil Bryant, assinou uma lei que permite a todos os comerciantes e prestadores de serviços públicos recusarem atender casais homossexuais. Ao ler um cabeçalho destes, a minha primeira reação foi de incredulidade. Cheguei mesmo a ir ver a data da notícia, só para ter a certeza que não tinha sido uma daquelas do dia 1 de abril que só mais tarde chegaram ao meu feed de notícias. A segunda reação foi ler a notícia na íntegra. Qual não foi o meu espanto quando li que tudo isto se prendia com questões religiosas.
Segundo a declaração que li na conta do Twitter do governador, Bryant diz-nos que o fez em conformidade com a Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, de modo a permitir o “livre exercício da religião”. E não é preciso ser-se um entendido no assunto para perceber que isto foi só mais uma maneira de justificar uma ação nefasta naquele que é um dos Estados mais conservadores do Norte da América. Se, por um lado, Phil está a permitir que a religião seja preponderante, está, por outro, a “limitar a liberdade de expressão”, parâmetro que a Primeira Emenda veio abolir da Constituição, — ainda que de forma implícita — aos homossexuais.
O governador republicano — sim, do mesmo partido de Donald Trump! — afirmou assinar esta lei para “proteger as crenças religiosas e as convicções morais de indivíduos, organizações e associações privadas de ações discriminatórias por parte do Governo do Estado ou das suas dependências políticas”, muito provavelmente referindo-se à aprovação do casamento gay pela Suprema Corte norte-americana em junho do ano passado. Ainda há bem pouco tempo nos regozijávamos com a hashtag #LoveWins e bandeiras do orgulho LGBT nas nossas redes sociais e, agora, aparece-nos algo que vai totalmente contra todo esse ideal de igualdade do qual os americanos tão avidamente dizem ser defensores. Porém, se vamos proteger minorias, temos de proteger todas, porque não são só as étnicas e religiosas que sofrem com a segregação. Bryant quis tanto agradar aos habitantes do Mississipi, tipicamente conservadores – não fosse este Estado um estado sulista! –, que se esqueceu que só estaria a dar mais motivos para que os homossexuais sejam cada vez mais afastados da sociedade — agora com desculpa legislada!
Ser homossexual continua a ser um “problema” nos dias que correm. Claro que já há uma aceitação maior se compararmos com a que havia há uns 10 anos atrás, mas a verdade é que ainda é um grande tabu em certos sítios, incluindo Estados conservadores como o do Mississipi. Não consigo imaginar o quão difícil deve ser para um jovem assumir-se perante os seus pais, conservadores por força da educação sulista; e, agora, ter ainda de pesar o facto de provavelmente vir a ser discriminado e não poder fazer nada contra, por força de uma lei que não pretende nada mais senão envergonhar/humilhar casais do mesmo sexo em público, quase lhes dizendo que, por causa de terem nascido com uma orientação sexual diferente, não têm tanto direito a serem livres como todos os outros cidadãos.
Resumidamente, estamos perante mais uma maneira de evitar mexer com o pudor sulista e dar uma desculpa para que todos os homofóbicos se rebelem. No entanto, só nos resta continuar a contar os mississipis, ou seja, os segundos que faltam até que o resto da América se revolte. E espero que não seja preciso contar muitos mais.