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Artigo de Opinião

CONTRATOS DA DISCÓRDIA

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No passado dia 27 de Abril saiu uma notícia no jornal Público, intitulada “Pais defendem direito de escolher um colégio em vez de uma escola pública”, na qual se abordava a questão das matrículas do próximo ano letivo, restringidas a colégios com contrato de associação. Membros do ensino particular já vieram a público condenar a medida do Ministério da Educação. Mas, digamos a verdade, o problema não está na escolha, ou na falta dela… Analisemos.

Os contratos de associação para escolas privadas, na sua génese, existiam para colmatar deficiências no parque escolar nacional (nos anos 80). A troco de moeda, os estabelecimentos de ensino privado existentes na zona forneciam os serviços de educação gratuitamente à população. Uma ideia que parecia muito boa na altura, visto que assegurava o ensino à população, diminuía o investimento em infra-estruturas, colmatava o problema a curto prazo. Mas a questão é que já não estamos no curto prazo, estamos a longo prazo. Mais de 30 anos passaram desde os início da existência dos contratos de associação, e o que vemos agora é o privado a ‘roubar’ alunos ao público. Se existe oferta de ensino público na zona, a existência do contrato de associação com o estabelecimento privado de ensino deveria ser terminado. Afinal o Estado tem de se preocupar com o ensino público ou em manter o ensino privado a funcionar?

Não se tratar de falta de escolha, isso não foi posto em questão. Mas a questão que está a ser colocada é diferente da questão que é útil analisar. O spin que as organizações de pais e o setor privado dão é para focar a análise naquilo que querem e não podemos ceder a esse tipo de escrutínio. A decisão final é dos pais. Se querem que o seu filho frequente uma instituição de ensino privado estão no seu direito. Mas não devem estar à espera que o Estado enfie dezenas de milhares de euros por ano por turma em cada instituição de ensino privado (80.500 euros por ano por turma, para ser exato). A prioridade do Estado é o serviço público e a escola pública é um serviço público. Lá não se trabalha para dar lucro ao fim do ano, isso é o trabalho do privado, lá trabalha-se para que os alunos saiam pessoas mais instruídas, mas produtivas, mais capazes.

Fui à secção dos comentários dessa notícia. Quando são temas que dividem a população é interessante analisar os argumentos – muitas vezes não-argumentos – e a aplicação da Lei de Godwin[1]. Muitas das pessoas diziam que porque têm o filho a estudar no privado não deviam pagar impostos relativamente à educação do filho e outras que devia ser feito um orçamento por aluno e o valor atribuído à escola pública e às instituições de ensino privadas deveria ser feito nessa base igualitária. E depois havia outros como eu, a defender a escola pública.

Interessa agora analisarmos a razão, ou as razões pelas quais a escola pública deve ser defendida. Na alínea f) do artigo 9º da Constituição da República Portuguesa lê-se: “São tarefas fundamentais do Estado: f) Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa;” [2] e na alínea g) “Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional”. Quando o parque escolar não era desenvolvido o suficiente para promover a igualdade de oportunidades defendida na alínea e) do mesmo artigo fazia sentido existirem os contratos de associação. E agora? Compreendendo que o ramo da educação possa ser extremamente lucrativo e um setor que seja altamente apelativo ao privado, mas a existência de instituições de ensino privado deve apenas complementar a rede escolar pública e não substituí-la. Há três ramos da sociedade que não devem ser privatizados: a educação, a saúde e a justiça.

Em relação às pessoas que defendiam que deviam pagar menos impostos por terem os filhos a frequentar instituições de ensino privado, devo relembrar o artigo 16º, relativo à não consignação das verbas dispostas em Orçamento de Estado, do Capítulo II, Princípios Orçamentais, da Lei do Enquadramento do Orçamento de Estado, datada de 11 de Setembro de 2015 [1], no qual é dito basicamente que todas as receitas servem para cobrir todas as despesas. Tanto 0 como 100% dos seus e dos meus impostos podem ir para educação ou não, mas todos temos que contribuir para o bolo total, em proporção ao nosso rendimento e despesa. É francamente estúpido pedir menos impostos só porque o filho não usufrui do parque escolar público. Eu raramente vou a hospitais, e quando vou não é a um público, mas nem por isso peço para pagar menos impostos. A César o que é de César.

Na minha opinião, se o Estado tem capacidade para absorver os alunos, devia fazê-lo. Se não tem, deve resolver esse problema, e a curto prazo, delegar essa tarefa ao setor privado através dos contratos de associação. Se os pais querem que os filhos frequentem instituições de ensino particular, por qualquer razão, liberdade lhes seja dada. Agora não venham chorar para a comunicação social que o Estado está a ser injusto, quando não está. Se há escola pública porque raio tem o Estado de suportar o privado? E isto tanto se aplica à educação como à banca, e a todos os setores do privado. Querem que os filhos continuem a estudar no privado? Força! Mas não esperem que seja o Estado a pagar a vossa conta ao fim do mês. Há escola pública para isso.

 

[1] http://www.wired.com/1994/10/godwin-if-2/

[2] http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx

[3] http://www.dgo.pt/legislacao/Documents/Lei_151-2015_LEO.pdf