Artigo de Opinião

DESESPERO

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Hoje é um dia importante para a União Europeia, particularmente, mas também para o Mundo. Quando as urnas encerrarem, supõe-se que os eleitores austríacos terão escolhido o candidato de um partido de extrema direita para ser o seu presidente, uma estreia no seio da UE e algo impensável até há poucos anos, sobretudo tendo em conta o desastre do século passado. No entanto, este não é ato isolado, não é um problema austríaco e não é um problema exclusivamente político. O carácter das democracias altera-se um pouco por todo o mundo, e as consequências não são propriamente agradáveis.

A Áustria é um bom mau exemplo: analisando o seu contexto, podemos extrapolar os cenários para os restantes países onde as “loucuras coletivas” acontecem. Depois de anos a fio de governos de partidos moderados, que representam a classe política tradicional, os austríacos viram-se para os extremos, para candidatos desconhecidos, sem ação política prévia considerável, que prometem recuperar sistemas apodrecidos, autênticas oligarquias democráticas. Os cidadãos sofrem um choque entre as suas espectativas de século XXI, com alterações constantes na tecnologia e nas relações pessoais, e uma economia estagnada, que provoca uma anestesia salarial e uma incapacidade de progredir na escala social, algo que era visto como chave de uma sociedade evoluída. A incapacidade humana de ser racional e perceber as próprias falhas causa estes desaires, em que um populista anuncia um amanhã melhor no qual todos acreditam, apesar de ninguém saber explicar porquê.

Nos Estados Unidos, o populista com maior sucesso é Trump, mas a personagem tipo podia ser representada por Ted Cruz, Ben Carson ou até pelo próprio Bernie Sanders, que exemplifica o mesmo tipo de postura anti-sistema, mas conciliada com um programa ideológico de esquerda. Andrew Sullivan, num artigo brilhante publicado na revista New York (e que aconselho), faz uma descrição quase perfeita do fenómeno do populista redentor: “He is usually of the elite but has a nature in tune with the time — given over to random pleasures and whims, feasting on plenty of food and sex, and reveling in the nonjudgment that is democracy’s civil religion. He makes his move by «taking over a particularly obedient mob» and attacking his wealthy peers as corrupt. […] Eventually, he stands alone, promising to cut through the paralysis of democratic incoherence. It’s as if he were offering the addled, distracted, and self-indulgent citizens a kind of relief from democracy’s endless choices and insecurities. He rides a backlash to excess […] and offers himself as the personified answer to the internal conflicts of the democratic mess. He pledges, above all, to take on the increasingly despised elites. And as the people thrill to him as a kind of solution, a democracy willingly, even impetuously, repeals itself.”

Entretanto, qual é a resposta da União Europeia a estes fenómenos? Neste momento, a extrema-direita, que já domina a Hungria e a Polónia, está prestes a dominar a Áustria, e cresce em países tão impactantes como a França e a própria Alemanha. Para os burocratas de Bruxelas, no entanto, o problema continua a residir nos défices e nas dívidas. Na Polónia pode alterar-se a constituição para limitar a liberdade de imprensa, mas em Portugal é preciso arranjarem 700 milhões, e depressa, sob pena de nos ser cobrada uma multa avultada por sermos pobres.

Não sou eurocético. A União Europeia permite-nos, enquanto europeus, uma liberdade invejável, uma qualidade de vida muito superior à de qualquer outro povo em qualquer outro período da história da humanidade. Estamos magoados e desiludidos porque conseguimos prever o declínio, porque vemos o comodismo de quem nos chefia, e porque nos habituamos a um ritmo de crescimento económico e social sem paralelo e que é insustentável. Estamos desesperados porque não conseguimos melhorar o que é excelente, mas é altura de ter cuidado. Este tipo de desespero não leva a bom porto. Por este caminho, o local de chegada é um muito pior que o de hoje, e no qual nem nos poderemos queixar livremente. Se continuarmos a deixar o desespero ganhar, ainda vamos sonhar com um regresso àquilo que temos hoje, mas sonharemos em silêncio.

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