Artigo de Opinião

TRAVESTISMO POLÍTICO E SOCIAL

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Em Portugal sofremos de um grave problema. Um problema de travestismo político e até social. Num país que se diz defensor da democracia, começam a faltar as palavras para descrever, não só a falta de ética, mas o despudor, ou até o atrevimento, que nos entra casa a dentro todos os dias, seja pelos telejornais ou por outros meios informativos. Assistimos a tudo isto na serenidade do nosso forte e feroz ativismo de sofá, na nossa calma e tranquila retórica que jura ter as soluções para todos os problemas do mundo durante cinco minutos. Depois? Depois somos serenos. A democracia não contempla a serenidade. Pelo menos a eterna serenidade.

Os partidos de hoje não são mais o que foram. Alguns deles nunca chegaram, sejamos honestos, sequer a ser. As responsabilidades já não são mais assumidas. São atiradas como se a política e a vida dos portugueses fossem um gigante campo de ténis. Não há responsabilidades no BANIF, no Novo Banco, na Caixa Geral de Depósitos. Isso já todos nos esquecemos. Os partidos deixaram de ser, em muitos casos, um garante de resolução dos problemas do país. São um garante de travestismo e passa culpas. Um travestismo que varia conforme a cor política que governa. E nem aqueles que, como o BE e PCP, aos olhos dos mais distraídos, se diziam inquebráveis nos valores éticos que devem orientar quem se dedica à causa pública, escapam. A esses, que afirmavam ter uma coluna inquebrável, bastou o espirro de alguns votos de protesto, para sabermos que a coluna inquebrável de outrora era afinal a coluna de borracha de hoje. Quem não sabe manter a coluna firme em nome do país, não pode estar a defender os interesses deste. Custa muito ter uma coluna, mas custa bem mais ao país quando a vergamos. Galp? Não é mais motivo de ira. Despedimentos da Caixa Geral de Depósitos? Estão a ver o que podem fazer. Contratos precários de trabalho no Estado? É o que se arranja, dizem. Imaginam agora o travestismo ou o descaramento que usariam caso fosse a chamada direita a fazê-lo ou a anunciá-lo?

A direita? Bem, essa anda mais torta do que direita. O seu serviço ao país limita-se, neste momento, a esperar que sobre o país caía tamanha desgraça que os leve ao poder de novo. Sim, como se o país fosse um jogo eletrónico que depois do game over se pudesse fazer start. Trabalhar para soluções? Trabalhar para entendimentos? Sim, porque um país não se governa com amuos de quem erradamente não previu o que poderia resultar das últimas legislativas.  Com que cara se pertentem apresentar como alternativa? Alternativa à hipotética desgraça que não ajudaram a evitar?

Podia continuar a exemplificar o travestismo partidário, mas todos, mais ou menos, conhecemos os casos. O pior é que somos todos nós que somos os patrocinadores desta vergonha. A vergonha de termos políticos a governar o país que precisam, imagine-se só, de um Código de Conduta! Agora imaginem os mesmos casos num país onde a vergonha e a falta de decência não sejam tidos como normais.

Aceitamos com a leveza de uma pena, que nos digam de caras que é preciso mentir para ganhar eleições, mas ficamos indignados quando as promessas eleitorais não são cumpridas. Ficamos indignados uma e outra vez e esquecemo-nos de todas as indignações tão rápido quanto o tempo de chegar outra para acarinharmos. A indignação normaliza-se, é aceite, é inata, no nosso ponto de vista, ao estado de coisas a que chegamos. Pior, aceitamos a mediocridade para o nosso país. Normaliza-se a mediocridade.

Aceitamos com a superioridade moral só ao alcance dos europeus, uma invasão a um país soberano com base numa mentira. Mentira essa que matou mais de 700 mil civis. Sim, 700 mil inocentes vítimas de uma mentira. Aceitamos o tráfico de armas, vemo-lo como normal, mas depois batemos com a mão no peito quando essas armas são apontadas contra nós. Tragédia, gritam. Será que na nossa superioridade moral uma vida fora da Europa é menos valiosa? Ficamos horrorizados com as atrocidades nazis, mas aceitamos com uma leveza assustadora a existência do comunismo. De que vive esse horror e leveza? Da ignorância?

Teimamos em não exigir. Normalizamos a mediocridade, a falta de vergonha, o descaramento e empurramos as responsabilidades para quem as toma como suas. Somos todos responsáveis. Perdemos a noção de valor comum, de Pátria. Hoje, estamos a construir um país doutrinado, mas laico, dizem. Laico religiosamente, mas doutrinado partidariamente. Ora, a democracia não se compadece com doutrinas destas. A democracia compadece-se com liberdade de pensamento, com choque e não com acenos de cabeça pensados ao pormenor e balanço do último degrau das escadas.

A democracia mora no pensamento de cada um de nós e na nossa visão do mundo. Pode haver quem nos tente guiar o pensamento, mas ao deixarmos seremos os primeiros responsáveis pela perda da nossa liberdade.

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