Artigo de Opinião

NÃO PASSA DE HOJE

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Existia uma curiosidade genuína, vontade de preencher em conjunto as páginas de um jornal, mas não era só isso. Havia disponibilidade para o encontro – a partilha era palpável – e um certo sentido de urgência – mesmo que as horas já fossem altas – para discutir, investigar, pensar, entrevistar, registar, contar a história. Pelo menos é assim que quero recordá-la, a associação de jornalismo académico do Porto. Claro que havia também por vezes mais do que suficiente predisposição para lançar farpas, arrancar cabelos, dramatizar, escrever actas inflamadas, corruptelas poéticas e outros manifestos ultimatos. Havia um processo de aprendizagem sobre o que é deliberar e informar em conjunto, e deliberar sobre deliberar: meta-discussão do que é ser dono da voz. Saber escutar, argumentar, lidar com as próprias resistências às cedências.

Da autonomia, era lição que havia. Em prol da consciência colectiva. Havia um mosaico de histórias que se compunha feito obra de imprensa. Eram várias as mãos de estudantes que ficavam sujas de tinta. Ombros com contraturas, que improvisar ares de ardina tem o seu quê de corporal quando eram aos milhares os jornais que saíam do forno. Eram tempos de poucos megapixeis, mas havia a vaidade das credenciais de imprensa, das folhas amarelas dos arquivos, das peças de museu centenário, incluindo um valioso espólio fotográfico. E tudo o mais que talvez já não permaneça. No vão de escadas, onde o chão cedia, tomava-nos uma vertigem de asssalto: mãos ao alto, informação é poder. O jornalismo é uma linguagem maldita: serve para moldar a formação da ideia política. Havia independência de partidos. Havia infiltrações nas caleiras, infestações nas traves, intervenções nas águas-furtadas e inaugurações bombásticas. Depois por algum motivo a sede perdeu-se.

Mas pediram-me para falar no futuro do jornalismo universitário e dos seus desafios e já gastei mais de metade deste espaço a exercer o direito ao saudosismo que cabe a qualquer cidadão cá da terra.

O problema em falar no porvir é que “vivemos o fim do futuro”, como se refere o sociólogo polaco Zygmunt Bauman a estes tempos de fragmentação e indignação, numa entrevista à Época brasileira. Pensar para além do fim do futuro é já saber consertar o vazio que ficou de uma qualquer perda de referências políticas, culturais e morais da sociedade. Mudar isso, diz Bauman, “depende da imaginação e da determinação [dos jovens]”, é preciso “resistir às pressões da fragmentação e recuperar a consciência da responsabilidade compartilhada para o futuro”.

Havia o dia de fecho, virado para a direcção do futuro que era fazer chegar a obra de imprensa às mãos de toda a gente. Havia a inscrição na parede num recanto suspeito gravada a dourado: “Não passa de hoje”. Não deixes passar, dá mais um trago, começa hoje.

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