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Artigo de Opinião

MORRER PELA RELIGIÃO

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Tiago Vaz

Tiago Vaz

Nas últimas semanas, um dos assuntos internacionais que gerou impacto e ondas de contestação no mundo ocidental foi a condenação de uma mulher sudanesa à morte. A causa? A sua recusa em renunciar à religião católica e regressar à religião islâmica. Se a morte de alguém devido a questões religiosas não é algo assim tão incomum, há circunstâncias políticas e sociais neste caso que o destacam e separam de outros.

Meriam Yahia Ibrahim Ishag nasceu há 27 anos no Sudão. Segundo os media, foi educada maioritariamente pela sua mãe, uma cristã ortodoxa segunda essa mesma religião. O pai, islâmico, esteve pouco presente na sua educação. Casou com um sudanês do Sul, também ele cristão. Há quase um ano atrás foi acusada de “adultério” e apostasia (renúncia a uma crença religiosa), após ser denunciada por elementos da própria família. A sua sentença foram 100 chicotadas e a morte por enforcamento. Desconsiderando a crueldade da sentença, encontramos neste pequeno texto incongruências legais que um estado não pode, de modo algum, permitir.

Em primeiro lugar é necessário entender o sistema legal sudanês. O Sudão é uma república federal, democrática e presidencial. Tem portanto uma divisão em estados federados, com um presidente federal e eleições democráticas, livres. Mas, ao contrário de muitos estados federais (e democráticos) o Sudão não é um estado laico. O seu sistema legal é baseado na lei islâmica o que cria, desde logo, problemas de parcialidade.

Mais ainda do que este problema do regime sudanês, há a pertinente questão do “adultério”. Tal como na maioria dos países ocidentais, a lei islâmica considera que para haver um adultério, tem que haver uma relação extraconjugal. Ora, uma relação extraconjugal envolve duas coisas: primeiro, que haja um casamento; segundo, que haja uma relação com outra pessoa que não o marido/mulher. O que está portanto errado com isto? Meriam nunca teve uma relação com outro homem que não o seu marido (leia-se, não há qualquer prova ou indicação disso). Mais, sendo que a lei sudanesa não reconhece o seu casamento, fica a pergunta: como pode alguém não casado cometer adultério?

Não acabam por aqui os problemas nesta história. Há toda a questão da apostasia. Como se comprova que alguém é de facto islâmico? Como se comprova que alguém é de facto cristão? A lei islâmica não específica nada sobre este assunto. Pode assumir-se uma duas coisas: se o estado é islâmico, então obriga todos os seus cidadãos a seguirem essa religião (o que é falso, existem comunidades cristãs no Sudão aceites pelo estado); em vez disso, sendo a lei islâmica patriarcal, Meriam poderia ser obrigada a seguir a religião do seu pai. Mas não parece haver indicações disto na lei sudanesa, nem tão pouco parece que isso tenha sido um argumento do tribunal.

Enquanto isso, a comunidade internacional senta-se e vê uma mulher dar à luz uma criança dentro de uma prisão, sem condições, sem higiene e acorrentada. A amnistia internacional, que aparente ser a única organização realmente interessada nesta situação não tem qualquer poder de acção legal. O resto do mundo assiste, do sofá, à vida de uma mulher que mais não fez do que construir a sua vida. A ONU, organização da qual o Sudão faz parte e que, portanto, teria uma obrigação moral de ser pronunciar sobre esta questão (sendo provavelmente a única organização com poder para pressionar o Sudão a reverter a sentença), não se pronunciou uma única vez. E Meriam, que há poucos dias até estaria para ser libertada, continua presa, agora com duas crianças e um marido sem saber se algum dia a verá fora de uma cela.

Este é apenas mais um caso no meio das muitas pessoas que morreram em nome da religião. Mas, ao contrário de muitos, Meriam nunca quis morrer por ser cristã. Só não aceita que estado algum a obrigue a aceitar uma fé que não a sua, aquela em que foi educada e a que escolheu seguir. Não aceita que a obriguem a escolher algo que, no fundo, é um direito seu. E por isso vai morrer. Pela sua religião.

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