Artigo de Opinião

BARCELONA-PORTO: FORMAS “RADICAIS” DE APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO URBANO (I)

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João Queirós

No final do passado mês de maio, o bairro de Sants, localizado perto da principal estação de caminho-de-ferro da cidade de Barcelona, foi palco de diversas manifestações, que culminaram em tumultos e confrontos entre manifestantes e polícia. O motivo das manifestações: a contestação à ordem de demolição, decretada pela câmara municipal local, do edifício onde há mais de década e meia se encontra sediado o centro social que a cidade conhece como Can Vies. Propriedade dos Transportes Metropolitanos de Barcelona, o edifício, entretanto deixado vago, fora ocupado em 1997, acabando por tornar-se emblema do movimento “okupa” catalão. Até 2014, o espaço albergou “okupas” e ativistas de movimentos sociais e urbanos, concertos, exposições e outras manifestações artísticas, cursos e outras atividades.

O anúncio do despejo e da subsequente demolição do edifício foi obviamente mal recebido pelos utilizadores do centro social, que reagiram organizando manifestações de repúdio, às quais, de resto, depressa se juntaram alguns milhares de outros moradores de Barcelona. A solidariedade para com os ocupantes estendeu-se ainda a outras cidades da Catalunha e de regiões conexas, em certos casos articulando-se com a ação e reivindicações dos movimentos urbanos que, em Espanha, têm contestado e procurado contrariar a autêntica vaga de despejos que desde as crises de 2008-2010 percorre o país. Recorde-se que, em 2013, na sequência de uma série de notícias dando conta da acumulação de suicídios protagonizados por vítimas de despejos, o parlamento espanhol aprovou a tramitação em lei de uma iniciativa popular visando a possibilidade de entrega ao banco da casa como forma de pagamento integral da dívida, com paralisação retroativa das ações de despejo.

Ao quarto dia de manifestações e confrontos, a câmara municipal suspendeu a demolição do edifício, que entretanto tivera início, e autorizou os ocupantes a permanecerem no Can Vies por mais 24 a 30 meses. Centenas de voluntários têm-se dedicado, deste então, a reconstruir o centro social. Os líderes do movimento contestatário consideram, todavia, que o problema não está resolvido e lembram que há em Barcelona outros edifícios ocupados e transformados em centros sociais ameaçados de despejo e demolição.

Não cabendo nestas linhas uma discussão detalhada sobre a configuração e implicações deste caso – tarefa cujo desenvolvimento imporia aliás a análise de elementos informativos de que não disponho –, não há dúvida de que os acontecimentos a que o bairro de Sants, em Barcelona, tem assistido nas últimas semanas incitam à reflexão sobre os modos através dos quais se produzem e estruturam as formas “radicais” de apropriação de espaços públicos ou privados que as cidades dos nossos tempos, um pouco por todo o globo, vêm observando. Não me refiro aqui apenas às ações protagonizadas por grupos anarquistas ou organizações situadas na extrema-esquerda política; tampouco me cinjo aos movimentos mais ou menos espontâneos e heterogéneos que, de Zuccotti Park à praça Tahrir, passando pela Puerta del Sol, ocuparam temporariamente importantes espaços públicos das principais cidades de países dos cinco continentes. Na verdade, “radical” é, aqui, muito simplesmente, a forma de apropriação de uma parcela do espaço urbano, seja ela do domínio público ou privado, promovida à margem do quadro legal vigente. Com “c” ou com “k”, estas ocupações podem ser protagonizadas por indivíduos isolados, famílias ou grupos (organizados ou não) e apresentam contornos e objetivos muito diversos.

No Porto, ao falar em formas de apropriação “radical” do espaço urbano, talvez venham à memória as ações do pequeno grupo de ativistas que, em 2006, se barricou no interior do Teatro Rivoli, protestando contra a possibilidade da sua privatização, ou as ações do movimento associativo de base local que nos primeiros anos desta década fez da abandonada escola primária da Fontinha um “espaço coletivo autogestionado”. A história das ocupações de espaços e edifícios públicos e privados – que teve entre o 25 de abril de 1974 e o 25 de novembro de 1975 o seu mais intenso e prolixo período – é, todavia, bastante mais vasta do que habitualmente se crê. Mais vasta e, já agora, amplamente desconhecida. Enquanto não regresso ao tema, o que acontecerá no meu próximo artigo, sugiro uma visita ao website do projeto de investigação que, no Instituto de Sociologia da Universidade do Porto, se vem debruçando, por estes dias, e entre outros, sobre este tópico de pesquisa: http://www.punk.pt/.

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