Artigo de Opinião
PAISAGEM TRANSGÉNICA
Por excesso de polissemia, paisagem transform
Tomada a coisa por qualquer das suas evocações –o que equivale a um exercício de expansão de imagens, representações, percepções, conteúdos, significantes, significados e também simplificações–, a ilusão do consenso (tal como a permanência da polémica) legitimam a continuidade da existência da coisa e das realidades e ficções que convoca. O preenchimento do vazio ou da porosidade dos sentidos da paisagem transforma-a numa espécie de buraco negro que se alimenta da proliferação de sentidos e polémicas –a verdadeira matéria da paisagem.
Assim pensa este espantalho azul espichado na sua leira de terra lavrada e semeada – problemático retalho de paisagem dita rural em boca de cena com fábrica ao fundo e casa de telhados variegados empoleirada sobre uma garagem para camião; ainda mais ao fundo, a cortina verde da coisa a que chamam floresta em tom monocromático de eucalipto: Adiós ríos, adiós fontes / adiós, regatos pequenos; / adiós, vista dos meus ollos, / non sei cándo nos veremos (…), cantaria Rosalía de Castro deste recanto da sua Galiza.
Dir-se-ia, se fosse animal ou vegetal, organismo transgénico porque constituído por um todo compósito em tudo distinto das linhagens habituais que as taxionomias registam. Assim também esta e quase todas as paisagens que teimamos classificar em categorias estáveis como rural, urbana, natural e por aí fora. Perturbou-se a ordem natural das coisas que alguém tinha ordenado e instalou-se o reino de tudo poder misturar com tudo. Dizem muitos que a paisagem se estragou. É mentira. As paisagens não se estragam – mudam porque é da sua condição mudarem com os tempos e as vontades, tomando sempre novas qualidades, etc. como dizia o Luís que nem sequer aqui passou.