Artigo de Opinião

Vamos Acreditar na solidariedade dos Portugueses

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Setembro é o mês de sensibilização para o cancro pediátrico, a nível internacional. No presente ano, a Acreditar – Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro, lançou uma petição, em jeito de assinalar a data de uma forma interventiva e solidária para com os pilares das crianças que são bruscamente atropeladas pela realidade do cancro infantil. Esta petição visa o alargamento do período de luto parental para 20 dias. Juntam-se dois temas tabu da nossa sociedade – a morte e o cancro pediátrico. Contudo, é crucial não deixarmos que o egoísmo emocional fale mais alto e que estes temas resvalem na couraça da nossa indiferença.

Ora, o cancro em crianças e jovens é raro e a probabilidade de cura ronda os 80%, o que revela um prognóstico mais favorável do que na maioria dos casos de cancro do adulto. Apesar da percentagem de mortalidade associada ser discreta, não podemos simplesmente ignorá-la.

A Acreditar é uma associação particular sem fins lucrativos, com estatuto de entidade pública, que desempenha um gigantesco papel no apoio, proteção e garantia dos direitos e qualidade de vida das crianças com doença oncológica e dos seus familiares, desde há 25 anos – nomeadamente através de voluntariado nas alas de oncologia pediátrica e disponibilizando alojamento às famílias que, pela distância entre o hospital e a área de residência, têm de ficar deslocadas dos seus lares para acompanhar as crianças internadas.

Indubitavelmente, as crianças que passam por esta situação são os verdadeiros heróis sem capa que, por entre visitas constantes de enfermeiros e médicos, sessões de quimio e radioterapia e realização de exames imagiológicos, acabam inevitavelmente por ver o espírito da infância um pouco apagado.

No entanto, estas batalhas são vividas tão ou mais intensamente pelos pais. É frequente pelo menos um dos pais ver-se obrigado a desempregar para poder acompanhar o filho nesta etapa difícil, tentando passar o máximo de tempo junto da criança. Há toda uma rotina familiar drasticamente alterada e uma preocupação constante com a vida daqueles a quem desejam o melhor do universo, que culmina num violento desgaste físico e emocional.

A campanha “O luto de uma vida não cabe em 5 dias” e a petição associada vêm trazer para primeiro plano os direitos dos trabalhadores vítimas de luto parental. O período de luto que consta da legislação portuguesa atual é de apenas 5 dias consecutivos.  O mote da campanha parte do pressuposto que o luto parental é uma condição especialmente delicada. O abalo psicológico produzido pela perda de um filho produz um sofrimento inimaginável com sequelas nefastas, colocando os pais numa situação de tremenda fragilidade e desequilíbrio emocional, não só motivado pelo evento em si, mas também pela descarga de stress, privação de sono, abnegação e sofrimento que se foram acumulando durante os meses, por vezes anos, de luta contra o cancro.

O período de 5 dias é inquestionavelmente curto para recuperar de tal choque traumático e assumir capazmente os deveres laborais, considerando ainda que há uma panóplia de burocracias a tratar na sequência de um falecimento.

Atentando no contexto europeu, verifica-se que alguns Estados já seguem esta linha de pensamento. Recentemente, na Dinamarca, na sequência de uma petição apresentada no Parlamento, o período de luto pela perda de um filho menor de idade foi alargado para 26 semanas. Já a proposta da Acreditar vai de encontro à legislação irlandesa, que prevê 20 dias úteis remunerados. No Reino Unido, também como produto de uma petição criada pela mãe de um menino de dois anos que faleceu, denominada Jack’s Law, foi deliberada a atribuição de duas semanas de luto parental. Porém, estes números não são, de todo, representativos do panorama europeu – no outro extremo, as políticas laborais da Polónia e da Grécia garantem apenas 2 dias úteis e, em Malta, somente 1 dia.

Claramente o luto é uma vivência pessoal e as reações emocionais à perda são diversas. Deste modo, a petição não pretende passar a ideia de que 20 dias é o espaço temporal aceitável para esse processo, mas sim garantir a maior proteção dos direitos dos pais e trabalhadores, solicitando a alteração da legislação por respeito, compreensão, humanidade e bom senso.

Os portugueses têm respondido bem ao apelo, reunindo já mais de 65.000 assinaturas – o suficiente para o tema chegar à AR. A causa conta já com maioria parlamentar.

Ainda assim, é fulcral que o número de assinaturas continue a crescer, reforçando a unanimidade e urgência sobre o tema, de forma que não caia no esquecimento e não seja submetido à lentidão característica de todo e qualquer processo em Portugal.

A petição pode ser assinada aqui.

 

Artigo da autoria de Mariana Batista Maciel

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