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Artigo de Opinião

Para não esquecer

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Imagem: Bodega

Uma novidade é que agora faço parte da equipa de editores desta editoria. E, para começar essa nova empreitada — aproveitando que estou a tirar um curso de jornalismo de solução —, decidi escrever um tanto sobre esse “recorte”. O mote é desmistificar a ideia de que somos sempre a resolução; sim, mas também para lembrar que o nosso papel é contar histórias, dar voz aos fatos [principalmente] emudecidos e, claro, questionar muito utilizando dados, fatos e [indispensavelmente] pessoas reais. 

Comércio de informação. Alguns [muitos] jornalistas estão acostumados a publicitar “descobertas e soluções relevantes” que surgem exclusivamente de resultados positivos que enaltecem pessoas individuais ou instituições. Estes profissionais, ao noticiarem estas “soluções” sobre determinados assuntos e circunstâncias sociais, muitas vezes ignoram os “caminhos” pré-existentes já percorridos e os processos paralelos a este recorte oferecido como uma nova solução. Pois é, o jornalismo — enquanto organismo social — é uma instituição maioritariamente branca, feita por homens e que sempre manteve sobre si esse ar pretensioso de [poder] decidir quem tem poder.

O problema — além da hegemonia — é que esse tipo de enquadramento faz com que os seus leitores internalizem essa premissa como única e verdadeira. Por isso, é preciso ter em mente que nem só de resultados positivos nascem as soluções. E que todo e qualquer “furo de verdade” requer uma apuração minuciosa recheada de pontos de vistas distintos.

É importante ter em mente que desde os primórdios da civilização, o jornalismo vem desempenhado um papel crucial na formação da opinião pública e na fiscalização da política enquanto instituição representativa da sociedade. Considerado o quarto poder, ao lado dos poderes legislativo, executivo e judiciário, o jornalismo é uma instituição essencial para a manutenção da democracia e da transparência governamental porque está a cargo de representar os interesses do povo. É, acima de tudo, sobre denunciar

O conceito de jornalismo como o quarto poder remonta ao século XVIII, quando a imprensa começou a emergir como uma força independente e crítica. A imprensa desempenhou um papel fundamental na disseminação de ideias durante a Revolução Francesa — momento importante para o nascimento da democracia representativa —, e na luta pela liberdade de expressão em todo o mundo. Ao longo dos séculos XIX e XX, o jornalismo continuou a evoluir, tornando-se cada vez mais profissionalizado e influente.

O jornalismo de solução não tem de ser positivo sempre 

Quando uma reportagem destaca pontos negativos, contextualizando os processos com falhas e até mesmo impondo limites às “respostas dadas” previamente, ela não está apenas apresentando uma nova perspectiva do todo, mas também está indicando que todo um processo de revisão e análise do conteúdo anteriormente apresentado como “solução” foi realizado. E isso também é uma solução, entende? 

O jornalismo de solução não deve focar em resolver, mas sim em apresentar e discutir todos os possíveis “pontos de partida” [e chegadas], oferecendo novos olhares e destacando soluções eficazes sempre que decidir levantar uma crítica negativa sobre determinados fatos

O jornalista não é o senhor, mas o guardião da “verdade”. Trabalhar transmitindo informação é contar narrativas diariamente. Por isso, toda fonte, seja oficial ou oficiosa, buscará sempre oferecer a melhor história sobre si. É a narrativa do herói. E é exatamente nesse momento que nós, jornalistas, devemos ativar a nossa criticidade e perceber as “personas” criadas e os “enquadramentos” apresentados como narrativas oficiais. Cobrir e produzir jornalismo de solução é um malabarismo diário de ego que pede muito “jogo de cintura”. 

É muito importante ter um “feeling” para interpretar e identificar impostores, bem como manter-se atento aos processos, sempre buscando formalizar as informações e confirmar todos os dados colhidos, cruzando pontos de vistas e dando voz ao máximo de pessoas possíveis. A solução não deve ser apresentada como um logro de um indivíduo para o todo, mas sim como um impacto social poderoso e relevante para todos. 

Toda notícia é um fato, mas nem todo fato é notícia

Lembremos que dois dos pilares fundamentais do bom jornalismo são a objetividade e a imparcialidade. A objetividade refere-se à capacidade do jornalista de relatar os fatos de forma precisa e equilibrada, sem deixar suas próprias opiniões ou preconceitos interferirem na narrativa. A imparcialidade, por sua vez, exige que os jornalistas hajam de forma justa e imparcial ao abordar diferentes pontos de vista e perspectivas em uma história. Mas sabemos que as redes sociais têm colaborado cada vez mais para a produção de um jornalismo “caça-likes” — aqui indico fortemente o filme Nightcrawler – Repórter na Noite (2014).

O jornalismo tem uma série de impactos significativos na sociedade. Primeiramente, atua como um mecanismo de prestação de contas, expondo a corrupção e o abuso de poder em todas as esferas da vida pública. Além disso, o jornalismo desempenha um papel crucial na formação da opinião pública, informando os cidadãos sobre questões importantes e ajudando a moldar o debate político e social.

Por isso, é certo dizer que o jornalista desempenha um papel vital na proteção dos direitos humanos e na defesa da justiça social. Ao destacar questões como desigualdade, injustiça e discriminação, este profissional pretende agir catalisando mudanças necessárias à sociedade e promovendo um maior respeito pelos direitos humanos

É curioso assumir esse papel de “editor” numa editoria de opinião. Parece-me que todo esse processo [deontológico] expresso nesse texto deverá agora ser dobrado. Estar a cargo de “reorganizar” uma opinião é como produzir um jornalismo de solução: o foco deve ser fugir de toda subjetividade e niilismos, mas também é preciso entender que todo fato tem seu impacto positivo e negativo. Editar a fala do outro seria transforma-la em algo próximo daquilo que penso — ou estou a edificar o interesse coletivo como a base de toda informação?

A Era do mercado de influencers que segundo o Reuters Institute, superam os jornalistas como fonte de notícias — o pavimento mundial para uma descredibilização dos profissionais de comunicação (fake news, pós-verdade), o afunilamento do jornal impresso e a migração das redações para o ambiente digital, todos esses fenómenos informacionais estão a enfraquecer o jornalismo enquanto arma social de resistência. 

São tempos tortuosos. Para não esquecer de lembrar que é preciso valorizar, promover e apoiar o jornalismo de qualidade, garantindo que ele continue a desempenhar seu papel vital na (R)evolução da sociedade: questionando, esclarecendo e catalisando mudanças pertinentes. 

Artigo da autoria de Ícaro Machado

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