Artigo de Opinião

Perdendo traços de adolescente: por que somos tão apegados ao passado? 

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Paródia - "Memórias Póstumas de Brat Cubas" | imagem de reprodução: X (Twitter)

A nova trend do momento nas redes sociais faz você repensar a sua imagem. A corrente da internet te convida a publicar fotos da época de adolescência e comparar com imagens da vida adulta. Por que estamos tão obcecados com o passado? 

Cringe. Ao som do hit dos anos 80’ “Forever Young“, da banda alemã Alphaville, a trend “traços de adolescente” rendeu mais de um milhão de visualizações em todo o mundo. Viral no Tik Tok, famosos e anônimos compartilham as suas memórias da adolescência. “Isso é tão barro”.

Será que estamos tão desesperados com um futuro errante que queremos reviver o passado por não conseguirmos ser menos fúteis no presente?

A mais nova tendência consiste em um vídeo mostrando a diferença da aparência entre o momento atual e quando a pessoa era adolescente. Na ação, abre-se para que outros usuários façam comentários sobre a nossa aparência no passar do tempo a partir de fotos e vídeos — ou produzam a sua própria mudança. É curioso como estamos sempre a precisar que o outro compare a nossa imagem, validando a nossa evolução. 

Tô passado com o passado. Já disse aqui que o Porto é uma cidade invadida por turistas. Diariamente, pessoas se apertam num bondinho elétrico, readaptado para circulação, que se arrasta pela Foz do Douro num passeio que promete te levar aos tempos que já foram. Sempre que saio para pedalar, me deparo com a cena e me questiono: será tão emocionante assim passear num bondinho abarrotado de gente para poder sentir que viveu um pouco disso que já passou?

Os anos 80, 90 e 2000 querem voltar 

Xou da Xuxa. Parece que as décadas de 1980-2000 voltaram com força, ressurgindo como uma das maiores influências culturais e estéticas da atualidade. A nostalgia por essa época é evidente no renascimento de tendências de moda, música e até mesmo nos comportamentos, que ecoam o espírito daquela década. 

Sucesso mundial, séries como Stranger Things, da Netflix, desempenharam um papel importante nesse movimento ao resgatar e popularizar elementos icônicos dos anos 80. Desde o visual até as referências culturais, a produção alimenta essa saudade coletiva, transformando o passado em uma nova tendência contemporânea. Esse fenômeno revela o poder da mídia em (re)contextualizar o passado para o presente.

Vale lembrar o impacto cultural e econômico que a última temporada teve ao trazer de volta a canção Running up that hill (a deal with god), 37 anos depois do lançamento original, colocando a cantora Kate Bush de volta aos tops.

Mesmo assim, essa nostalgia pode ser entendida como uma tentativa preguiçosa que promove a fuga de um presente incerto e turbulento, onde as pessoas encontram conforto em revisitar um passado idealizado. E mais, essa releitura pode ser um tanto problemática ao simplificar ou romantizar aspectos complexos daquele período, ignorando o hoje e esquecendo que existe um futuro sempre novo. 

Agora é moda vestir-se como os nossos avós

No campo da moda, o retorno dos anos 90 se manifesta em roupas largas, tênis de cano alto e acessórios como gargantilhas e óculos escuros pequenos, populares nas passarelas e nas ruas. Brechós espalhados pelas cidades, a aplicação Vinted e muitas lojas voltaram do passado com tudo para nos vestir num presente à espera do futuro. 

Essa (re)apropriação, embora possa ser estilosa, muitas vezes ignora as origens socioculturais desses elementos, esvaziando-os de seus significados originais. 

Marcas como Tommy Hilfiger e Calvin Klein, que foram ícones da década, estão sendo redescobertas por uma nova geração que não vivenciou o contexto em que surgiram, mas que adota essas referências como símbolo de autenticidade e rebeldia. E nem vamos falar de fast fashion como Shein, Temu e Shopee, que de tudo tem, de tudo vende. 

Esse fenômeno reflete uma tendência mais ampla de reciclagem cultural, onde o passado é constantemente reaproveitado para atender às demandas do mercado atual. A indústria do entretenimento e da moda lucra com essa nostalgia, muitas vezes às custas de inovações genuínas. 

Ao mesmo tempo, a obsessão por reviver o passado pode ser vista como uma forma inconsciente de resistência ao ritmo acelerado das mudanças tecnológicas e sociais do século XXI, criando uma bolha de conforto que protege contra as incertezas do futuro, mas que também limita a capacidade de imaginar novos caminhos.

BRAT: a cultura pop em voga novamente?

Assim como a moda, a música enquanto estilo e identidade também aparece como vetor desse movimento que anseia pela nostalgia de rever o passado no presente. Foi assim que neste verão recebemos o tal “brat”, sexto álbum da cantora inglesa Charli XCX, e o impulso que precisávamos para seguir fazendo pirraça em pleno 2024. 

Segundo a internet — o tal chanceler de todos os saberes —, a palavra “brat” é usada para descrever uma pessoa, geralmente uma criança ou adolescente, que é mimada, desobediente ou mal-comportada. 

A gíria pode ser proferida de forma carinhosa ou crítica, a depender do contexto. Em alguns casos, “brat” também pode se referir a alguém que age de maneira teimosa ou petulante, querendo sempre fazer as coisas à sua maneira. Isso parece descrever alguma geração para você? 

É importante lembrar que a Cultura Pop sempre exerceu uma influência profunda no comportamento da sociedade, especialmente após o advento da internet, que amplificou sua disseminação e alcance. 

Com a globalização digital, ícones da música, cinema e moda passaram a ser consumidos e reinterpretados em tempo real, moldando padrões de comportamento e estilo de vida de maneira rápida e abrangente. 

Redes sociais como Instagram e TikTok apenas potencializaram ainda mais essa dinâmica, permitindo que tendências culturais se tornem virais e sejam adotadas por milhões de pessoas em todo o mundo — além, claro, de nos aproximar ainda mais dos famosos, os nossos modelos de cultura ideais. Isso tudo num processo que podemos entender como a humanização dos Olímpianos (Edgar Morin). 

Esse fenômeno gera uma cultura globalizada, mas também pode criar pressões sociais, além da homogeneização de comportamentos, ofuscando a diversidade cultural e tornando tudo frágil, fútil e passageiro. Assim, não existe nenhuma imaginação “prenhe de informação” que não esteja em condições de “idealizar” o outro (HAN).

Photoshopados: reconquistando os traços de adolescente 

A realidade não deve ser encarada, por isso, criamos correntes que nos analisam em imagem e que forjam a ideia de que mudamos tanto quanto queríamos. Seríamos uma sociedade com alergia ao pensamento crítico?

A obra Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), de Machado de Assis — que também viralizou no Tik Tok — oferece uma perspectiva crítica sobre a nostalgia e o olhar distorcido acerca do passado, elementos estes que ressoam com esse atual movimento de resgate dos anos que não voltam mais. Afinal, nada será como antes. 

Assim como Brás Cubas revisita sua vida com uma visão desencantada — ou não —, muitas vezes romantizando ou ridicularizando suas memórias, a sociedade contemporânea também idealiza este passado saudoso, ignorando as complexidades e os desafios deste mesmo período. 

Esse anseio pelo retorno ao passado reflete numa tentativa de escapar das dificuldades e incertezas do presente, criando uma visão seletiva e simplificada de uma época que, embora rica em cultura, também enfrentava problemas sociais e políticos significativos.

Essa comparação revela que a obsessão pelo passado pode ser um mecanismo de fuga que impede a reflexão crítica e a inovação. O revival dos anos 80, 90 e 2000, estimulado por produções culturais como Stranger Things e reforçado pela internet, demonstra o poder da nostalgia, mas também evidencia seus limites. 

Assim como Brás Cubas acaba preso a suas memórias, a sociedade arrisca ficar paralisada, olhando para trás em busca de conforto, em vez de enfrentar os desafios contemporâneos e imaginar futuros mais inovadores e inclusivos. 

Em um mundo de mudanças aceleradas, é essencial que a nostalgia não se transforme em resistência ao progresso intelectual, mas que sirva como um lembrete do que pode ser mantido e do que precisa ser superado — e isso também se refere a nossa imagem jovial. Não quero findar sendo como a minha mãe que, para alimentar a sua rede de amigos no Facebook, passa a semana gerando imagens suas com ferramentas IA na tentativa de recordar do que foi, presa ao que pudera ter sido.

“Ah, se fossemos em política o que somos em estética” (Caetano Veloso). 

Na contramão dessa máxima reflexiva um tanto seletiva, seguimos ignorando a nossa falta de sensibilidade para com a natureza do outro e do mundo. Consumimos matérias ‘eco’ com marcas que os validam, mas ignoramos a natureza ao nosso redor. Brincamos no metaverso e amamos odiar coisas insignificantes por serem as únicas capazes de nos fazer ter opinião — mesmo que não a tenhamos de fato.

A verdade é que, cada vez mais, a vida humana tem se tornado plástica e por isso insistimos em mudar sempre aquilo que não curtimos na vida. Somos leais a quem queremos ser, mesmo que para isso tenhamos de esquecer quem somos. 

 

Artigo da autoria de Ícaro Machado 

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