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Artigo de Opinião

Tinder do Mercado: a gente lembrou que há gosto em paquerar 

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Tinder está fora de moda, quem quer encontrar o amor vai ao supermercado: no Mercadona é para namorar e no Lidl para casar. A nova moda é o Tinder do Mercadona.
Análise mais recente mostra que cerca de metade dos perfis do Tinder não está interessada em encontrar sua outra metade — foto: Freepik

O seu grande amor pode está a passear pelos corredores do Mercadona. Com um abacaxi virado de cabeça para baixo, saiba que existem códigos para arranjar um encontro enquanto se faz compras. Adeus, Tinder: engates no supermercado viram tendência em Espanha. Será que o galanteio já chegou por aqui? 

A rede de supermercados Mercadona viraliza nas redes sociais por um motivo inusitado: os clientes têm usado os corredores para apostar em dates reais num jogo tipo Tinder do Mercado. Vídeos sobre o assunto têm tomado as redes sociais, sobretudo o TikTok e Instagram. 

Abacaxi é bom para fazer una piña colada. O novo “método” viralizou primeiro na Espanha, e envolve ir a um supermercado da rede Mercadona em um horário específico e ficar empurrando um carrinho de compras pelos corretores com um abacaxi invertido. Isso mesmo! A fruta tropical é o sinal que o amor precisa para chegar em você. Isso porque o gesto sinaliza que você está solteiro e/ou aberto a conhecer alguém. 

O verdadeiro reality ilhados no supermercado, no caso. A grande rede supermercados, o santo casamenteiro desses “encontros”, ainda não se posicionou publicamente sobre o assunto. Não vai ficar só segurando vela, Mercadona, olha o marketing de oportunidade aí, gente! 

​​Como funciona a nova moda de engate nos supermercados?

Entre 19h e 20h, pessoas solteiras sinalizam a sua disponibilidade ao andar com abacaxi virado para baixo dentro do carrinho e os setores para os encontros seguem regras conforme a idade dos pretendentes. 

Você não leu errado. Segundo a rede de TV Euronews, o corredor ‘ideal’ para aquela paquera varia de acordo com o ano de nascimento. Existe uma subdivisão de lugares por idade, para organizar os encontros e não tumultuar o mercado: estamos trabalhado para melhor servi-los. 

Meter-se com alguém. Os clientes-pretendentes que estão no grupo dos 19 aos 25 anos, devem circular pelo setor de congelados; os de 25 aos 40 pela peixaria. Já quem tem mais de 40 anos deve ir pelo corredor dos vinhos ​​— apurados e envelhecidos.

Trend. O “Tinder do mercado” está fazendo tanto sucesso que, segundo relatos nas redes sociais, o reizinho abacaxi tem acabado em muitas noites. Vários memes com o horário também vêm fazendo sucesso. 

“Se chega ao Mercadona às 19h47 e já não restam mais abacaxis”, brincou um usuário em post no X, postando uma foto de uma abóbora com um brócolis em cima.

Amor: tem nas prateleiras do mercado, é só pedir 

Hora de flertar. A manchete no jornal Expresso é bem direta: ‘Tinder está fora de moda, quem quer encontrar o amor vai ao supermercado: no Mercadona é para namorar e no Lidl para casar’, brinca o periódico. 

Parece que todas as nossas desconfianças de que as pessoas já não usam o Tinder para encontros não são assim tão só nossas. Essa semana compartilhei um Reels que compilava uma fala do psicanalista André Alves no programa Sem Censura da TV Brasil. 

No trecho, o psicanalista explica que as pessoas sequer estão interessadas em manter alguma conversa nos aplicativos. Elas estão mais interessadas em deslizar para a esquerda ou para direita como se estivessem escolhendo uma série para assistir. 

Segundo André, as pessoas estão viciadas em reduzir o outro à imagem. Ou seja, se a imagem condiz com as minhas experiências, eu aceito. Mas se a projeção não bate, descarto. E assim se estabelece um tipo de critério que sempre vai ser rompido porque somos humanos. Muitos justificam:

“Ah, mas existe aquele detalhe que eu não gosto. Não sou obrigado a lidar com isso”, então bloqueei. 

A verdade é que existe um nível tão grande de imprevisibilidade nas relações que as pessoas esquecem de que o outro também é um outro. Sinto que estamos em constante queda livre (Nosedive, Black Mirror) e que temos de sempre nos salvar para não nos ferir quando chegarmos ao chão. Mas o pé no chão é a base de toda e qualquer relação. 

O gosto do gosto ao gostar 

Entenda, afeição é apenas mais um sabor capaz de trazer mais gosto ao amor, mas a fórmula para fazer com que as coisas deem certo requer muitos outros ingredientes. Com mais de 75 milhões de usuários ativos mensais, o Tinder é o aplicativo de namoro mais famoso do mundo. Uma nova análise, no entanto, mostra que cerca de metade dos perfis do app não está interessada em encontrar sua outra metade.

Tinder revelou que 65,3% dos usuários eram casados ou em um relacionamento, e 50,3% não tinham real interesse em encontros. 

Sem sal. Muitos permanecem ativos em aplicativos de namoro, mesmo sem procurar por encontros, utilizando-os como redes sociais. Para esses usuários, as plataformas servem como fonte de entretenimento e conexão social, proporcionando também um aumento na autoestima por meio de curtidas e demonstrações de interesse. A pesquisa foi realizada pela Sky News abordando o nível de satisfação dos usuários da plataforma. 

Na obra ‘Tudo Sobre o Amor: Novas Perspectivas’ (1999), a escritora estadunidense Bell Hooks explica, logo no início do texto, que nós não temos que amar. Escolhemos amar. Para a autora, um padrão que tornou a prática do amor especialmente difícil é com frequência escolher estar com [pessoas] emocionalmente feridas, que não estão tão interessadas em ser amorosas, embora desejem ser amadas. 

Bell Hooks escreveu isso numa época em que estávamos a conhecer o IBM Simon, o primeiro ‘celular inteligente’, lançado em janeiro de 1999. Mas já se podia sentir o produto do objeto de meta que o outro viria a se tornar para nós. 

O real oposto de um perfil falso

Eros vence a depressão, e isso eu já falei aqui num artigo com músicas e referencias literárias — clica no link e ler.  Mas imagina conhecer o amor da tua vida num app, vocês têm toda aquela química que nunca tiveste com ninguém… e agora imagina que essa pessoa não existe como ela diz ser. Isso não é apenas o roteiro da série O Impostor do Tinder (Netflix). E isso é a vida real também. 

Talvez, além do frio na barriga de circular por um supermercado com um abacaxi de cabeça pra baixo no carrinho; de ter de encarar uma possível rejeição ‘na cara’; as pessoas também estão cansadas de ser enganadas ​​— e isso é muito contraditório, levando em consideração que as redes sociais são a maior mentira estética da/na nossa geração.

Mas não podemos ignorar o perigo que se tornou conhecer alguém por um aplicativo, principalmente se você for LGBTQIAP+ [ assassinato de jovem após encontro por aplicativo de relacionamento gay ]

O psiquiatra M. Scott Peck, em seu livro “The Road Less Traveled,” diferencia catexia de amor de maneira crucial. Catexia é o investimento emocional e psíquico que fazemos em outra pessoa ou objeto, uma forma de apego ou dependência. 

Já o amor, segundo Peck, vai além da catexia; é uma ação deliberada que visa o bem-estar e crescimento do outro, independentemente dos sentimentos de apego. O amor envolve esforço, disciplina e a superação do egoísmo, enquanto a catexia é mais passiva e voltada para o preenchimento de necessidades emocionais próprias.

O cliente nem sempre tem razão

Acho que devemos tentar nos desvencilhar dessa ideia romântica do amor que pede muito; que cobra muito; que mata; que assusta por dar medo; que invade e sequestra os sonhos na tentativa de se sustentar enquanto único: ele pode até ser fogo que arde e não se ver, mas daí deixar queimar é burrice. 

Afinal, onde o desejo de poder é primordial, o amor estará ausente. Isso porque, todo despertar para o amor devia ser um despertar espiritual e não material. O materialismo é um vício e, como tal, move-se pela ganância que aniquila tudo de real que existe. E é justamente essa ignorância que dá ao amor esse caráter erótico e transgressor (Bell Hooks). 

Parece que não queremos mais cometer nenhum deslize, pois não. Mas bem que o amor podia ser mais encarado como essa vontade de se empenhar ao máximo para promover o próprio crescimento espiritual ou o de outra pessoa (Erich Fromm).

Uma mutualidade de se estar disponível é não brigar pela razão e ter mais emoção. Afinal, o amor sempre acontece para os distraídos. 

 

Artigo da autoria de Ícaro Machado