Artigo de Opinião
Homossexualidade: um momento de conversa, esclarecimento e indagações
Está tudo conectado — ou então será gradualmente esquecido. Estamos vivendo numa Era efervescente da Cultura Pop Digital. Filmes, séries, animações, reality shows e tantos outros formatos e produções visuais estão a cargo de nos representar enquanto seres existentes numa sociedade paradoxalmente arcaica que se julga civilizada.
Mesmo com tantas “representações”, as performances de masculinidades seguem ditando o modo como devemos existir enquanto homens gays que amam, sofrem e se relacionam com outros homens — e já estou eu, de novo, a me repetir… pedir… atenção!
Numa sociedade patriarcal: feito por homens; planejado pelos homens; e pensando para os homens; qualquer existência que fuja dessa normatividade do macho dominador deve ser banida. Não há lugar para a feminilidade em todas as suas esferas. E isso, além de ser definitivamente uma expressão abertamente homofóbica, revela a sua faceta enquanto sociedade cultural estruturada numa misoginia perversa escondida na falsa ideia de amor e respeito: a moral e os “bons costumes”.
Na crónica, “O melhor dos Meninos” (Criança Viada, 2021), desenvolvo essa luta constante dos homens gays, quando criança, em se estabelecer como homens: agir como homem, jogar como homem, correr como homem, caminhar feito homem. Virilidade é o que nos pede, e isso pede muito da gente.
No entanto, essa ideia de homem viril, detentor de uma masculinidade refletida em músculos, corpos e testosterona, tudo isso é uma violência criada pela normatividade da civilização que se utiliza da religião para criar e gerir regras, se apoderando do esquema político faseadamente democrático — não existe democracia se os processos de o fazer não o são —, para submeter as pessoas aos dogmas de mitos/anos insustentáveis, mas que se estabelecem a partir da fé no medo.
Homossexualidade: Um passado Mumificado
Todas as violências baseadas na sexualidade foram racionalizadas a partir de dogmas estabelecidos pelos sistemas. Na contemporaneidade, o capitalismo te liberta desses dogmas desde que você dê lucro. O Neoliberalismo, com todo o seu positivismo tóxico, te faz acreditar que a tua existência é mais importante do que qualquer outro ser. Seja relevante, gere engajamento.
Ao contrário do que se pensa, no antigo Egito não existia repressão e condenação de morte para os casos homoafetivos. A cultura egípcia, rica e diversificada, permitia a expressão de diferentes formas de amor, incluindo a homoafetividade, que era respeitada e até celebrada em templos.
Um exemplo marcante dessa aceitação é o caso dos altos funcionários Nyankh-Khnum e Khnum-hotep, que viveram e serviram sob o faraó Niuserre durante a 5ª dinastia, entre 2494 e 2345 a.C.
Nyankh-Khnum e Khnum-hotep eram casados e tinham suas próprias famílias com filhos e esposas. No entanto, ao morrerem, suas famílias decidiram enterrá-los juntos na mesma tumba de Mastaba. Esta decisão é significativa, pois demonstra um reconhecimento e respeito pelo vínculo especial entre os dois homens.
Artefatos Homoafetivos: A Verdade Sobre um Amor
As pinturas encontradas na Mastaba são ainda mais reveladoras: elas mostram Nyankh-Khnum e Khnum-hotep se abraçando e tocando seus rostos nariz a nariz. No contexto egípcio antigo, esse gesto era geralmente interpretado como um beijo, uma expressão clara de afeto e intimidade.
Essas representações artísticas sugerem que a relação entre Nyankh-Khnum e Khnum-hotep era aceita e possivelmente até celebrada pela sociedade da época. Os estudiosos que analisaram essas pinturas consideram que elas fornecem evidências de homossexualidade entre dois homens casados, indicando que os antigos egípcios tinham uma visão mais aberta e inclusiva sobre os relacionamentos homoafetivos do que muitas culturas posteriores.
Greg Reeder, um egiptólogo que estudou extensivamente este caso, argumenta que as representações de Nyankh-Khnum e Khnum-hotep são um forte indicativo da aceitação de relações homoafetivas no antigo Egito.
A aceitação da homoafetividade no antigo Egito contrasta fortemente com as atitudes de repressão que se desenvolveram em períodos subsequentes da história, muitas vezes influenciadas por diferentes sistemas religiosos e culturais.
A religião, especialmente as tradições monoteístas que emergiram mais tarde, desempenhou um papel significativo na transformação das atitudes em relação à homossexualidade, frequentemente promovendo normas mais restritivas e condenatórias. Hoje, a polícia do Egito usa Apps de paquera para perseguir a comunidade LGBTQIAP+.
Homossexualidade na Grécia Antiga: Uma Inspiração Disruptiva
Na Grécia Antiga, a homossexualidade masculina era parte integrante das relações sociais e culturais, especialmente na forma de relacionamentos entre homens adultos e jovens, conhecidos como relações pederásticas. Essa prática, que combinava a educação e o erotismo, era vista como um meio de transmitir virtudes e sabedoria.
O filósofo grego Sócrates, conforme analisado por Dover (2007), é frequentemente mencionado como alguém que valorizava o amor homossexual e que considerava o ato sexual entre homens uma fonte de inspiração intelectual e espiritual.
Para Sócrates, essas relações não se limitavam ao físico, mas transcendiam para uma conexão intelectual profunda, onde o discípulo absorvia não apenas o conhecimento, mas também a paixão pelo saber, numa forma de amor que se manifesta no desejo de beleza e de verdade.
A filosofia e a ciência na Grécia Antiga, ao legitimar essas relações homoeróticas, representavam correntes transgressoras e inovadoras que, posteriormente, se mostraram antagônicas ao crescente poder da Igreja e das doutrinas cristãs.
A Filosofia é a Mãe de Todas as Ciências
O pensamento filosófico grego se caracterizava pela busca da liberdade e pelo questionamento das normas, o que desafiava as estruturas morais e religiosas que dominariam o Ocidente.
Enquanto a filosofia promovia a ideia de que a sabedoria podia ser alcançada por meio do amor e da beleza, a ciência da época buscava entender o mundo natural, libertando-se da crença em poderes celestiais do absolutismo.
Essa postura libertária e questionadora contrapunha-se à normatividade imposta pela religião, que mais tarde tentaria suprimir qualquer forma de amor que não se enquadra na heteronormatividade.
Por outro lado, ao longo da história, a noção de normatividade, especialmente no que tange à sexualidade, foi consolidada como uma estratégia de controle social, que se intensificou com o fortalecimento da Igreja Cristã.
A Heteronormatividade é um Projeto Político-Cristão
Michel Foucault, em sua obra História da Sexualidade, destaca como as práticas sexuais foram progressivamente regulamentadas para assegurar uma ordem social que privilegiava a família como unidade fundamental de reprodução, controle e manutenção social.
Segundo Foucault — autor que me acompanha em minhas discussões sobre a história da sexualidade —, o conceito de sexualidade foi moldado como um mecanismo de vigilância, onde a normatividade era crucial para assegurar um modelo de sociedade baseado na monogamia heterossexual em proteção a essa ideia de família, mas que, na verdade, era mais um sistema de controle de bens, poder e repressão.
Este modelo era essencial para o controlar os corpos e para a manutenção da saúde pública, já que qualquer desvio da norma era considerado uma ameaça à ordem e à moralidade pública, mas também pelo fato do homem ser, culturalmente, incentivado desempenhar toda a sua libido, enquanto as mulheres deveriam reprimir seus desejos.
Assim, a transição para uma sociedade que privilegiava a heterossexualidade como padrão legítimo e desejável reflete a influência da Igreja e da normatividade como ferramentas de poder; mas também uma maneira de “impedir a proliferação de Infecções Sexualmente Transmissíveis” (Foucault).
A diversidade sexual que existia na Grécia Antiga e era vista como fonte de inspiração e liberdade intelectual foi, portanto, gradualmente suprimida em favor de uma concepção de família e de moralidade que privilegiava a reprodução e a ordem.
Dessa forma, a sexualidade tornou-se um campo de disputa política e social, onde a homossexualidade, outrora reverenciada, passou a ser vista como um desvio a ser corrigido, consolidando-se a normatividade como parte integral das estratégias de governança e controle.
Uma Era Digital Transante
Libertinagem. Depois do X (Twitter), liberar o “oficialmente” o compartilhamento de conteúdos adultos, profissionais de saúde apontam para alguns dos muitos problemas que devem surgir em uma decisão tão exploratória.
Menores com “distorção com o corpo” e sem saber “lidar com a sexualidade”. Jorge Gravanita, psicólogo e presidente do Centro Português de Psicanálise, confirma que esta situação é preocupante e que pode levar a que os jovens, “mesmo abaixo dos 13 anos”, entrem na aplicação, “mintam e vejam os conteúdos”.
O psicólogo recorda a época em que as crianças “apanhavam por acidente” conteúdos pornográficos em revistas ou cassetes. “Agora é recorrente”, acrescenta, apontando para uma frequência alarmante no acesso a tais conteúdos.
Segundo o estudo “EU Kids Online”, em Portugal, 40% dos rapazes e 26% das raparigas entre os 9 e os 16 anos já viram conteúdos pornográficos. A “banalização de atos sexuais” é a expressão usada pelo psicólogo para descrever o acesso fácil que os adolescentes possuem atualmente à pornografia (fonte: CNN Portugal).
A Educação Sexual Começa Em Casa
Você deve estar se questionando, o que diabos esses assuntos têm em comum? Eu direi: tudo! A falta de uma educação sexual reflete nessas reproduções de violências de género, sexualidades e todo esse espectro que desrespeita a existência do outro. E tudo isso justificado pela normatização imposta pelos detentores do poder: homens brancos cis.
No texto “Literatura Queer: comentários sobre as relações digitais a partir de reflexões da obra literária “Criança Viada”, incito algumas reflexões relevantes para serem aplicadas como forma de contracultura.
As relações sociais, culturais e familiares desempenham um papel central no desenvolvimento infantil e na formação da identidade, incluindo a sexualidade. Com isso em mente, explorar as interseções entre infância, sexualidade e os tabus sociais que frequentemente impedem um diálogo aberto e honesto sobre questões essenciais para o crescimento saudável dos indivíduos é um dever de todos.
A falta de uma abordagem inclusiva e informada sobre a sexualidade infantil perpétua ciclos de repressão, preconceito e tantas outras formas de violência (psíquica e/ou física). A educação sexual é uma ferramenta poderosa e necessária para a formação de indivíduos conscientes, seguros e respeitosos com suas próprias identidades e com as dos outros.
Por meio da educação, é possível oferecer a crianças e adolescentes o conhecimento necessário para enfrentar o mundo com confiança, prevenindo traumas e preconceitos enraizados na ignorância e no medo. A promoção de uma visão mais ampla sobre o mundo ajuda a impedir que violências sejam reproduzidas, principalmente de forma inconsciente, justificadas como “amor e cuidado”.
Artigo da autoria de Ícaro Machado