Artigo de Opinião

Em Lisboa, o Português Perde Espaço para o Inglês Cute

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Portugal é o sexto país do mundo onde melhor se fala inglês | Imagem: DALL·E com base em uma descrição

Às vezes eu gosto de interagir em publicações de jornais nas redes sociais. Eu realmente aprecio essa ideia de gerar burburinho, fazendo com que as pessoas questionem mais as notícias que consomem. Há cerca de dois dias, decidi falar numa publicação do Diário de Notícias no Instagram. Entre ataques e curtidas, pensei em alargar o tema trazendo para este artigo.

A publicação do jornal traz um abre que diz: há na capital cada vez mais estabelecimentos que ostentam comunicação exclusivamente em inglês. Dir-se-á o Algarve dos anos 1980. Se alguém questiona, sai um atónito “qual o problema?”. A ideia, garantem, não é ofender ou afastar os portugueses, até porque “vocês são muito bons em línguas”. 

O tema da reportagem me chamou atenção — Please wait to be seated: a Lisboa que só fala inglês e está a violar a lei. Faz tempo que venho percebendo essa certa preferência dos portugueses pelo idioma inglês. E a produção jornalística destaca exatamente essa crescente presença de comunicações exclusivamente em inglês em Lisboa, especialmente em estabelecimentos turísticos. O comércio justifica que a escolha pelo idioma busca “facilitar a interação com estrangeiros”.

No entanto, esse movimento reflete diretamente a essa tensão cultural sobre a preservação do idioma em contraste com pressões econômicas e globais. Já trouxe textos aqui na minha coluna falando sobre como o turismo é um dos principais vetores econômicos do país. Gentrificação. Mas um país sem língua é um povo silenciado na história. 

Português: Quem Diria que é Ilegal?

Essa adaptação neoliberalista em se comunicar exclusivamente em inglês, principalmente em comunicações públicas, como em placas e menus, pode ser considerada uma violação à legislação portuguesa que exige o uso do idioma oficial em informações acessíveis ao público.

Numa sociedade extremamente globalizada, esse tipo de regra existe para proteger a identidade cultural, garantindo a inclusão da população local no acesso a serviços e espaços. 

O impacto dessa prática no aspecto cultural é significativo, pois, além de enfraquecer a presença do português em sua própria terra, contribui diretamente para o apagamento cultural, fomentando a ideia de que o idioma local é secundário diante das demandas globais. E isso acaba por gerar um distanciamento das raízes culturais, além de um enfraquecimento da identidade nacional. Não agora, mas num futuro não muito distante. 

Segundo o relatório EF English Proficiency Index (EF EPI-2024), que analisa dados de mais de 2,1 milhões de falantes não nativos de inglês, em 116 países e regiões, Portugal é o sexto país do mundo onde melhor se fala inglês e Braga é a cidade portuguesa com a melhor proficiência. Esses números impactam o organismo social de muitas formas, como, por exemplo, no fato de que há jovens que só lêem livros em inglês — e isso preocupa as editoras. Além do impacto econômico, esse movimento empobrece cada vez mais a cultura, a língua e a identidade do lugar.

Sobre a Evolução do Idioma Português

A trajetória do idioma português começou a se moldar durante o processo de colonização, expandindo-se da Europa para territórios como Brasil, África e Ásia. Adaptado às particularidades culturais e linguísticas locais, o português tornou-se um idioma plural, absorvendo influências indígenas, africanas e, mais tarde, europeias modernas. O Brasil, devido à sua dimensão continental e diversidade, foi um dos principais laboratórios dessa evolução, distanciando-se progressivamente do modelo lusitano.

Essa “maleabilidade” destacou-se na expansão marítima portuguesa, que trouxe o idioma para o cenário global, consolidando-o como uma das grandes línguas derivadas do latim, ao lado do espanhol, francês e italiano. As características do português refletem essa herança latina, mas com particularidades que o tornam único, como sua fonética diversa e um sistema gramatical complexo que é, ao mesmo tempo, uma barreira e um patrimônio.

Entretanto, a estagnação de Portugal em preservar o “português original” contrasta com a vitalidade encontrada em suas ex-colônias. No Brasil, o idioma adaptou-se às revoluções tecnológicas e culturais, incorporando vocabulários e expressões que o modernizam. Essa constante transformação garante sua relevância, enquanto o português europeu parece mais rígido, preso a tradições que dificultam sua evolução frente às exigências do mundo contemporâneo.

Além disso, o impacto das redes sociais e da produção digital, especialmente no Brasil, desempenha um papel fundamental no avanço do português. Países de língua portuguesa, com destaque para o Brasil, são grandes criadores de conteúdo digital, influenciando expressões e estruturas da língua globalmente. 

O ambiente virtual acelera essa transformação do idioma, tornando-o mais acessível e adaptado às novas gerações. Essa influência não só projeta o português como uma língua viva e dinâmica, mas também reposiciona o Brasil como um dos principais guardiões e renovadores dessa herança cultural: “Há crianças portuguesas que só falam brasileiro”

Lugares de Saber: Inflexões 

Na universidade, tem professor que só apresenta os slides das aulas em inglês, mesmo sem alunos internacionais. Um amigo brasileiro que veio a Portugal para um doutorado sanduíche, disse-me que sentiu que os portugueses em Lisboa preferem se comunicar em inglês porque “sabem que os brasileiros não dominam o idioma; mas também odeiam o fato de que os indianos falam de uma forma tão satisfatória quanto eles (portugueses)”.

É contraditório esse movimento se percebemos que Portugal é um país que luta vorazmente pela existência desse “português original”, mas que as suas palavras, gramática, dialetos e afins se perdem cada vez mais no tempo. O idioma não evolui com as novas tecnologias da informação e os jovens “descolados” falam português misturado com inglês porque é mais fixe.

E nem vamos citar a violência que é o apagamento de outras “vertentes do português” que se exprimem para existir em países africanos, por exemplo.  

Na academia, os docentes muitas vezes cobram dos alunos produções científicas em inglês com a desculpa de “exportar conhecimento”, esquecendo que a prioridade deveria ser trazer conhecimento para o seu próprio povo. Se escrevemos em PT-BR, dizem que somos “coloquiais” demais. Mas muitos dos livros de marketing, artigos de investigadores e produções científicas em português — principalmente nas áreas de ciências humanas e sociais — são exportadas do Brasil.  

E nem vamos falar dos vários anos em que a política de Portugal simplesmente ignorou traduzir livros de sociologia e filosofia: “lemos no original”, justificam — porque é muito mais fácil ler e interpretar teorias em alemão, francês e afins. E as pessoas seguem sendo ignoradas, despolitizadas, quando não, polarizadas, enquanto assistem ao apagamento cultural de seus costumes, cultura, patrimônio e afins. Curioso, Portugal desbravador de mares, curioso…

Na interação que fiz na publicação, fui atacado veemente: “realmente o Brasil é uma fábrica de analfabetos”, escreveu um alguém. “Os zukas vêem se, aflitos. Nem uma língua falam… Só brasukês”, vomitou outro. Eu? Eu sigo aqui: firme, escrevendo, ouvindo, refletindo e questionando. Não falo porque odeio, discuto porque me atravessa.

 

Texto da autoria de Ícaro Machado 

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