Artigo de Opinião
O GIGANTE ESOTÉRICO
Economistas insistem em adotar nomenclaturas floreadas que somente atenuam e distanciam a análise teórica da realidade empírica. Designaram de “concorrência imperfeita”, mas aqui optarei por uma outra terminologia: concorrência ilícita.
Esta problemática encontra-se anexada a uma outra maior, nomeadamente à do papel económico do governo. Creio pertinente, antes de enveredarmos pelo caso eleito de concorrência ilícita, esclarecer este ponto, mesmo que tal signifique deixá-lo em aberto.
Numa economia desejável, todos os bens e serviços seriam transacionados ao preço do mercado, sem que tal implicasse a intervenção do Estado. A corrupção humana demonstra, historicamente, que tal possibilidade está longe de ser exequível. As economias (homens) são objetivamente imperfeitas, fomentando realidades como o desemprego, as assimetrias sociais, a pobreza, poluição, a decadência axiológica, enfim. Nenhum governo deve, assim, afastar-se totalmente da economia. Ouso afirmar que o Estado deve deter poder maioritário em setores económicos como a banca, as forças armadas, a saúde, o ensino. Em alguns destes casos, assumir-se inclusivamente como interveniente uno (refira-se o caso da banca).
“Luxleaks” é assim conhecido o caso que envolve a realização de acordos fiscais secretos entre o Luxemburgo e 343 multinacionais. Segundo informa o Jornal de Notícias no dia 7/11/14, os acordos permitiam às empresas evitar o sistema de tributação do país de origem e assim beneficiar de taxas de impostos reduzidas. O movimento consistia na colocação de uma filial no Luxemburgo por uma sociedade financeira ou não financeira, que funcionaria como paraíso fiscal devido aos baixos impostos praticados. A lista de multinacionais é extensa e invocam-se nomes como “Apple, Amazon, Ikea, FedEx, Pepsi, Heinz, Laboratório Abbot ou Burberry…”. As autoridades luxemburguesas alegam que estes acordos respeitam a legislação nacional e internacional.
Os casos de concorrência ilícita são infindáveis, mas creio que este servirá o propósito. Estamos perante casos de 343 multinacionais, estando algumas delas na circunstância monopolística, titulares de um incalculável poder capital e que, mesmo assim, delineiam estratégias ilegítimas cujos propósitos visam claramente a economização dos fatores produtivos. Ikea ou Pepsi são empresas em relação às quais torna-se, a priori, difícil de garantir uma existência de concorrência. Desde os preços praticados aos trabalhadores precários, tudo conduz ao extermínio de qualquer empresa concorrente. Tratam-se de multinacionais com uma inquestionável influência nos preços de mercado.
Neste caso, encontramo-nos perante a designada “ajuda de Estado”, como lemos no JN, e que ironicamente contraria a intervenção de Estado requerida para esta situação. Supor-se-ia um desempenho por parte do Estado cujos efeitos incidissem na possibilidade de regulação e punição destes movimentos ilícitos. Contrariamente, constata-se a intervenção do Estado para apoiar e incentivar, de um modo sigiloso, esses mesmos movimentos.
A lógica de concorrência é, por si mesma, uma lógica implicativa de um movimento originário do paradigma ‘perdedores-vencedores’ e talvez seja necessário rever e pensar esta mesma dinâmica. Todo este dinamismo é potenciado com situações de concorrência ilícita, que violam quaisquer que sejam os códigos de conduta ética e moral implicados no processo de convivência e coexistência das entidades intervenientes no contexto de mercado. São de facto polémicas como a mencionada, que nos permitem inteligir de forma mais precisa todo o percurso de ascensão de algumas entidades e dos mecanismos utilizados para tal fim. Neste seguimento, reafirmo a convicção interior de que somente será possível a construção de um mercado verdadeiramente justo e livre, quando solucionados os problemas éticos (ou ausência deles) enraizados nas consciências humanas.