Artigo de Opinião
PROMESSAS QUE COMPROMETEM
Um referendo que metade da Europa não queria ver realizado, um governo cansado e resiliente, uma afirmação popular contra o poder vigente. Um ministro que aceita a derrota que há na vitória. Este foi um fim-de-semana diferente na história da União Europeia.
Pela primeira vez, um povo ousou dizer às classes política e economicamente dominantes que este tem sido um jogo viciado. Um jogo predatório, em que os grandes se alimentam e crescem à custa dos pequenos. Em que a pesada fatura de sucessivas más gestões tem sido paga por quem menos tem. Aos gregos, foi-lhes dada uma oportunidade soberana de usar a democracia. E, na defesa dos interesses do povo (ou da sua generalidade), os gregos disseram não. Não à forma como têm sido drenados de vida e de possibilidades de terem uma vida com dignidade.
Acima de tudo, os gregos deram este fim-de-semana um grande voto de confiança ao governo de Alexis Tsipras. Embora a pergunta explícita não fosse essa, a pergunta implícita deveria ler-se mais ou menos assim: “Podemos continuar a ir contra tudo o que o Eurogrupo e restante Troika tentam impor-nos?”. E, a essa pergunta, os gregos disseram que sim. Foi uma lufada de ar, para um governo que começa a ver-se asfixiar, a ficar frouxo e incoerente (incoerência tem sido, aliás, uma característica marcante tanto da UE como do governo grego).
Quando Tsipras tomou posse, foram muitas as promessas que fez ao seu povo. Algumas (todas?) foram, desde logo, ridicularizadas pelos media e políticos europeus. Há, contudo, uma promessa de fundo, que não pode ficar por cumprir: resolver a crise na Grécia, ou, pelo menos, encontrar um caminho “certo” para o fim desta. Este terá de ser o compromisso a seguir pelo governo grego, tendo sempre em salvaguarda o que o povo acabou de afirmar: chega de obrigar os cidadãos a pagar pelos erros que não cometeram (leia-se, que os sucessivos governos cometeram). Cabe à Europa tentar entender esta nova forma de pensar, de fazer política. De governar. Cabe à Europa ser uma união que respeita a diferença e a heterogeneidade que a constitui. Ou continuar num caminho de sufoco às ideias e à diferença, contrariando na prática tudo o que diz ser na teoria.
Se os gregos deram um “oxi” (não) à Europa, o ministro da economia Yanis Varoufakis deu um “oxi” aos gregos. Foi, diz Varoufakis, o preço a pagar por esta batalha democrática. Para a UE e restantes credores é uma pequena vitória ver o homem que tem sido o rosto de uma guerra política e ideológica pôr-se de parte. Para o povo grego é talvez um alívio ver o homem que tem dado tanta controvérsia nas negociações afastado destas. Para Tsipras é uma derrota, a perda do seu número 2.
Esta decisão pode ser vista de várias formas: como um gesto nobre, de quem compreende que é necessário fazer concessões para conseguir concessões (neste caso, Varoufakis por uma Europa mais recetiva ao resultado do referendo); pode ser também o assumir de uma derrota, de que apesar de a Grécia ter dito um claro não à Europa, isso apenas compromete o já delicado processo de negociação, criando uma animosidade ainda maior para com o ministro grego; ou pode ser apenas uma birra, de quem está cansado de ser visto como o alvo a abater (em caso de birra, recomenda-se que contacte o Paulo Portas, que já tem uma certa experiência nesta área).
De qualquer modo, Varoufakis prometeu e comprometeu-se com aquilo em que acredita. Defendeu a sua posição com uma convicção incrível, às vezes mesmo absurda e pouco razoável. Prometeu que se o sim ganhasse, se demitia. O sim perdeu, Varoufakis demitiu-se na mesma. Foi um exemplo claro de alguém que sabe exatamente como se faz política. Como se conseguem resultados. Polémico ou não, correto ou não, a Grécia perdeu um ótimo estratega.
Independentemente do motivo desta saída, a Grécia regressa hoje à mesa de negociações. Terá um novo ministro da economia em breve e está revestida da vontade do seu povo. Que apenas dá à Grécia algumas certezas e à UE algumas dores de cabeça: que há muitos caminhos para se chegar ao mesmo lugar e que um não é necessariamente mais correto que o outro. E que ambos os lados têm que estar preparados para qualquer um desses caminhos.