Artigo de Opinião
INCLUIR SEM SER CEGO
Foi com emoção e um profundo suspiro, que ouvi a notícia de que o Mundial de Futebol do Brasil iria dar um pontapé que vai marcar um golo na vida de muitas pessoas. Trata-se de um projeto inovador onde voluntários vão fazer um relato de todos os jogos que se vão realizar no Mundial, para pessoas cegas. Contudo, estes relatos não são monocórdicos como os da rádio, mas atingirão uma vertente mais sinestésica. Assim, a grande ênfase destes relatos será descrever não só o que se está a suceder no jogo e quem é que tem a bola que foge de pé para pé, mas também narrar a euforia dos adeptos, reproduzir como as suas entranhas estão a vibrar, como a adrenalina está a trabalhar e a pantomima que paira na cara de cada um. Pretende-se expor a panóplia de cores, as mãos que se elevam no alto quando uma bola entra na baliza, ou quando esta é traiçoeira e não permite o golo e as mãos baixam-se e pousam tristemente no colo. Tudo isto vai permitir transmitir o ambiente do estádio, e cada uma das pessoas cegas vai poder criar um mundo à sua maneira de como o jogo está a acontecer. Já não se trata de uma construção mecânica do movimento da bola, mas de uma explosão de vibrações e energias que sobrevoam o estádio.
Isto é um bom exemplo de como o Mundo, apesar de viver numa antítese profunda, em que uns lutam pelos direitos de todos e outros lutam pelo dinheiro de todos, ainda existem situações em que o Ser Humano independentemente das suas condições pode assistir aos jogos de futebol e experimentar a vida que se cria num estádio, que apesar de lhe ser transcendente, vai-lhe possibilitar que se sinta incluído no “evento do ano”. Convém olhar para isto e enxergar que os problemas só subsistem quando nós queremos que existam. As barreiras que estas pessoas enfrentam somos nós que as confecionamos e edificamos.
Ser cego ou ter outro tipo de incapacidade não significa per si que as pessoas deixam de ter a idoneidade de pensar e imaginar, de construir na sua cabeça um conjunto de significados e esquemas representativos do Mundo em seu redor. Uma pessoa só é inabilitada, uma vez que nós não lhe damos ferramentas para serem capacitadas. O Ser Humano é muito mais complexo do que aquilo que o senso comum considera, por isso temos de tirar as “palas dos olhos” e pensar na inclusão destas pessoas na vida quotidiana. Quer dizer…talvez o melhor seja mesmo incluirmos nos próprios na vida destas pessoas, pois somos nós que fazemos estes entraves, de forma consciente ou inconsciente. Devemos incluir sem sermos “cegos”, para estarmos atentos às reais necessidades destas pessoas que são diferentes. Mas…diferentes somos todos, não podemos é fazer com que elas sejam desiguais.