Artigo de Opinião
SOU UM CIDADÃO DE SEGUNDA, MAS NÃO TANTO QUANTO ESTÃO À ESPERA…
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João Luís Tavares
Todos os anos sou deparado com o mesmo problema (na realidade não é um problema; ou melhor, é um problema não de primeiro, mas de primeiríssimo mundo) que é ser recambiado para a segunda fila nos desfiles a que assisto. Durante vários anos a escrever sobre moda, de estação a estação (seis em seis meses para os leigos), é seguro dizer que ficava ligeiramente aborrecido por ficar na triste segunda fila. Mas, com o passar do tempo, aprendi a abraçar a realidade que sou um cidadão de segunda fila, e não pretendo curar-me.
A premissa da organização dos lugares é simples e usada em todo o mundo: “Quanto mais importante for a pessoa, mais próxima tem que estar do centro da acção”. Por essa razão é que o trabalho de organizar os lugares em jantares de Estado, casamentos reais, etc… tem que ser feito meticulosamente. Mas, e se a premissa estiver errada? Realmente, na teoria, o centro de ação é o que aparece nas notícias, é o tema da conversa, é, verdadeiramente, a situação a que todos aspiramos. Ninguém quer ser ator secundário, toda a gente sonha em ser a estrela. Na teoria, tudo o que está ao centro é melhor (não é por acaso que na existência de 3 mastros, a bandeira portuguesa, hasteada com outras duas, tem que ocupar o mastro do meio. Leiam o decreto-lei 150/87, é realmente muito interessante), mas isso comporta custos bastante elevados. E algo que sabemos agora é que o poder real nunca se mexe no olhar e escrutínio público, nunca está na fotografia, nunca aparece no noticiário… É oculto, move-se perto, mas nunca perto o suficiente para estar ao sol, em destaque. A primeira fila, para citar as palavras do grande presidente Frank Underwood (House of Cards na Netflix, mais que obrigatória) é “a grande mansão que começa a desmoronar após 10 anos” e a segunda é “o edifício antigo de pedra que se mantêm de pé por séculos” e, tal como ele, não posso respeitar alguém que não perceba a diferença.
Sim, prefiro a segunda, prefiro ser de segunda… A fila tem menos gente, ninguém me tenta tirar o lugar, tenho espaço para me sentar confortavelmente, não sou apanhado na fotografia, posso falar à vontade sem que toda a gente olhe para mim como quem estivesse a passar Bee Gees em alto pranto, enquanto o Papa estivesse a fazer a oração eucarística, e usufruo dos mesmos benefícios que o resto das pessoas usufrui, sempre sem ser visto, sempre no anonimato, que é algo que hoje em dia vale muito (mas isso é conversa para outra altura). Digam-me lá que isso não é fabuloso!
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