Artigo de Opinião
Touradas em Portugal: Crueldade Injustificável

A redução do IVA para as touradas em Portugal reabre um debate essencial: trata-se de preservar uma tradição cultural ou de perpetuar uma prática cruel e anacrónica? Num país que busca avançar rumo a valores mais éticos e compassivos. Não há justificativa moral para apoiar financeiramente um espetáculo baseado no sofrimento animal.
Em 2024, o Parlamento português aprovou a redução do IVA dos bilhetes para touradas para 6%, medida prevista para entrar em já neste ano. Os partidos que apoiam o Governo justificaram a decisão com a alegada “discriminação negativa” das touradas em relação às taxas de IVA aplicadas a outros espetáculos culturais. Após esta decisão, decidi escrever este artigo para demonstrar o meu desagrado por esta prática, pois sou um defensor dos direitos dos animais.
Face a esta decisão, surge uma questão inevitável: serão as touradas uma expressão cultural legítima ou um ato de crueldade inaceitável que não se enquadra nos valores da sociedade contemporânea? De forma clara e convicta, afirmo-me firmemente contra as touradas, defendendo a sua abolição.
Este posicionamento baseia-se na consideração de que, embora as touradas possam ser vistas como uma tradição cultural, a prática envolve sofrimento e morte de animais, o que não pode ser justificado como parte de uma expressão cultural que se pretende continuar a apoiar na sociedade moderna. Neste artigo, explicarei as razões que me levam a defender a sua abolição.
Vale lembrar que, também no ano de 2024, a Espanha gerou polêmica ao cancelar Prêmio Nacional de Touradas, uma decisão aplaudida por defensores dos direitos dos animais, mas que aborreceu os fãs da atração. No país das touradas, os direitos dos animais agora são reconhecidos por lei.
Imposto Sobre a Dor: A falsa justificativa da Tradição
Um dos argumentos mais utilizados pelos defensores das touradas é o seu valor cultural e tradicional. De facto, a história das touradas em Portugal remonta ao século XVI, com raízes profundas em festas populares e celebrações aristocráticas. Contudo, será que a tradição, por si só, deve justificar a manutenção de práticas que envolvem crueldade?
A sociedade evoluiu. Muitos costumes outrora aceites, como execuções públicas, violência em nome da justiça ou práticas que exploravam seres humanos e animais, foram relegados ao passado. Se a tradição fosse um argumento válido por si só, estaríamos ainda presos a rituais bárbaros que a civilização já abandonou.
A tradição, por si só, não é um princípio moralmente válido. É preciso questionar: a que custo preservamos algo que fere a dignidade e o bem-estar de seres vivos, sejam humanos ou animais?
Além disso, equacionar a riqueza cultural de um país com espetáculos de sangue é limitar a vibrante tapeçaria que constitui a identidade nacional. A verdadeira riqueza cultural encontra-se nas expressões que celebram a criatividade, a harmonia e o respeito por todas as formas de vida. Portugal possui uma herança riquíssima, desde a sua literatura, música e arte, até à sua arquitetura e gastronomia, que não depende de eventos violentos para ser celebrada e apreciada.
Fala-se da questão da manifestação cultural, e não será demais dizer que a sociedade de hoje tem a responsabilidade de refletir sobre as suas práticas culturais e questionar aquelas que ainda envolvem dor e sofrimento. As touradas, longe de serem um símbolo de modernidade ou, como os seus defensores mais fervorosos afirmam, de uma identidade cultural nobre, são, na verdade, uma prática que perpetua a dor e a violência nos touros. Não podem, de forma alguma, ser um exemplo para a sociedade moderna, o que me leva ao próximo tópico da crueldade esta atividade
O sofrimento dos animais: uma realidade inegável
Algo que me parece profundamente revoltante é que, em Portugal, paga-se menos IVA para assistir a um espetáculo de touros onde existe sofrimento animal, enquanto que, para cuidar de um animal de estimação no veterinário, se paga uma taxa de IVA bem superior. Esta disparidade é, no mínimo, incoerente, considerando que a saúde e o bem-estar de um animal de companhia merecem ser tratados com mais respeito e responsabilidade do que o espetáculo cruel e desumano das touradas.
Independentemente das inúmeras tentativas dos partidos e grupos defensores desta prática em romantizar as touradas como uma “arte” ou uma “tradição”, a verdade nua e crua é que os touros sofrem. Durante os espetáculos, os animais são sujeitos a agressões físicas brutais: são espetados com bandarilhas que lhes perfuram a pele e os músculos, causando hemorragias, dor intensa e debilidade progressiva. Esta violência é um espetáculo de sofrimento, onde a “exibição” é, na realidade, um processo de tortura para o animal.
No entanto, o sofrimento não se limita ao plano físico. Os touros são também vítimas de uma violência psicológica extrema. Forçados a entrar na arena, os animais são expostos a um ambiente completamente antinatural e hostil, onde são rodeados por barulho ensurdecedor, gritos da multidão e uma constante ameaça de violência.
O stress gerado por esta situação é significativo, uma vez que os touros não têm qualquer possibilidade de fuga ou de se proteger. O pânico é visível nos seus comportamentos, como a tentativa de fugir ou a paralisia de medo. Estudos veterinários demonstram que os animais exibem sinais claros de sofrimento psicológico, como aumento da frequência cardíaca, sudorese excessiva e movimentos agitados, todos indicadores de um stress severo.
Estes sinais são evidentes no comportamento dos touros, que tentam, muitas vezes, fugir ou se esconder, algo que revela a sua angústia e a violência a que estão sujeitos. Embora a legislação portuguesa proíba a morte do touro na arena, essa “concessão” não torna a prática menos cruel.
Touradas em Portugal: Alternativas Culturais e Económicas
Oportunidades para um Turismo Ético e Sustentável. Os defensores das touradas frequentemente destacam o impacto económico e a criação de empregos como justificativa para a sua continuidade. No entanto, esta argumentação perde força ao ser analisada de forma mais crítica.
O público das touradas tem diminuído exponencialmente, especialmente entre as gerações mais jovens. Nã há mais essa paixão pela dor de animais para entretenimento alheio. Regiões como o Ribatejo e o Alentejo, por exemplo, poderiam explorar um turismo cultural baseado em eventos tradicionais que não envolvam o sofrimento animal, como feiras agrícolas, festivais de música e exposições. Investir em cultura e arte é fazer a história seguir firme. Não é necessário reviver, basta recontar de várias formas.
Estas alternativas oferecem um potencial económico mais sustentável e alinhado com os valores contemporâneos de respeito pelos direitos dos animais, refletindo também o crescimento de movimentos sociais que se opõem à prática das touradas, com um número crescente de cidadãos e figuras públicas a defender uma mudança. A educação e a consciencialização sobre ética animal, particularmente entre as novas gerações, têm alimentado esta oposição, promovendo uma visão mais crítica e rejeitando a violência como forma de entretenimento.
Por Um Futuro Sem Touradas
Em pleno século XX, acaba por ser revoltante em que a consciência sobre os direitos dos animais e o respeito pelo seu bem-estar cresce a cada dia. É inaceitável que ainda se defenda a continuidade de uma prática que se resume no sofrimento de seres vivos. Não podemos permitir que uma cultura que aceita a crueldade seja vista como algo aceitável ou até mesmo respeitável.
Defender a abolição das touradas não é rejeitar a cultura portuguesa, mas sim afirmar que esta pode evoluir para algo mais compassivo e alinhado com os valores modernos. O respeito pela vida, seja ela humana ou animal, deve ser um pilar fundamental de qualquer sociedade civilizada.
Portugal sendo um país que fez bastantes progressos no que diz respeito ao bem estar dos direitos dos animais tem a oportunidade de dar o exemplo, mostrando que é possível honrar as suas tradições sem recorrer à violência. O caminho para uma sociedade mais ética passa pela coragem de abandonar práticas arcaicas e optar por um futuro onde a compaixão seja a verdadeira tradição.
Texto da Autoria de Alexandre Ribeiro
