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2017: UMA VIRAGEM À DIREITA?

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Em 2017, duas eleições podem provocar alterações estruturais na Europa e no mundo. Em abril, a França vai a votos, após um mandato que ficará na história como um dos mais impopulares da Quinta República Francesa. Depois será a vez da Alemanha: pela primeira vez, a popularidade de Angela Merkel parece estar ameaçada.

A extrema direita francesa

A campanha para as eleições presidenciais francesas iniciou-se com as primárias do partido de centro-direita, Os Republicanos, ganhas pelo candidato François Fillon, primeiro ministro do então presidente Nicolas Sarkozy, que também participou nestas primárias abertas, mas saiu derrotado.

À esquerda, é sabido que o atual presidente da República François Hollande não se recandidatará a um segundo mandato. Depois de uma cisão por parte do ex-ministro da economia Emmanuel Macron, que decidiu fundar um movimento En Marche! e apresentar uma candidatura independente às eleições, as primárias do Partido Socialista serão disputadas entre vários candidatos, entre eles o primeiro ministro Manuel Valls.

A Frente Nacional, por sua vez, liderada desde 2011 por Marine Le Pen, poderá obter o seu melhor resultado de sempre em eleições presidenciais, através da defesa de uma política “soberanista” e anti-imigração, propondo ainda a saída da França no euro (através de um referendo)  e do comando integrado da NATO.

Parece evidente a existência de aspetos comuns e até simpatia, da Frente Nacional com acontecimentos recentes como o Brexit ou a eleição de Donald Trump nos EUA, por exemplo, na crítica às “elites” ou ao status quo dominante quer em França, quer na União Europeia.

O JUP esteve à conversa com o historiador e professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Manuel Loff, de forma a perceber a evolução da Frente Nacional e as causas do seu sucesso eleitoral.

A renovação programática

Fundada em 1972 e liderada desde então por Jean-Marie Le Pen, a Frente Nacional conseguiu alcançar o segundo lugar nas presidenciais de 2002. Na segunda volta, porém, foi derrotada por Jacques Chirac.

Para o historiador Manuel Loff, é quase certo que Marine Le Pen vá obter um resultado superior ao do seu pai, uma vez que houve alguma modernização e renovação programática da Frente Nacional “no sentido de deliberadamente atraírem camadas populares com um sucesso superior ao passado”.

Esta renovação só terá sido possível através de um corte com a tradição marcadamente liberal, em termos económicos, da extrema direita europeia, desde que Florian Philippot passou a ser o responsável do programa da Frente Nacional, “adotando algumas medidas da chamada direita social”. Por exemplo, “não só se faz uma crítica ao euro porque se trata de uma imposição estrangeira mas porque impõe austeridade económica”, explica o historiador.

Algumas destas teses são partilhadas por partidos e movimentos de extrema-esquerda: o aumento de 200 euros a todos os salários abaixo dos 1500 euros, a redução do preço dos transportes, do gás e da eletricidade em 5%.

Contudo, outras ideias da FN serão mais controversas, como é o caso da redução de imigrantes legais no país e a expulsão de todos os imigrantes ilegais em França. O partido propõe ainda um referendo ao euro e à União Europeia.

A base eleitoral e a “falência” das sociais democracias

 Ainda que uma parte substancial do eleitorado da Frente Nacional venha da direita clássica, há também um apoio crescente por parte de regiões que foram outrora antigos bastiões da esquerda francesa.

Confrontado com este facto, Manuel Loff faz uma comparação com os anos 20 e 30, uma época em que as classes médias estavam a perder claramente poder económico. Assim, o crescente apoio dever-se-á, em parte, à incapacidade da generalidade dos partidos sociais-democratas ou de esquerda, de dar resposta aos anseios das populações, sobretudo a partir da “viragem ideológica (…) à direita, [por parte das sociais democracias] a partir dos anos 80, criando uma situação de esgotamento do seu projeto político”.

O professor refere ainda que em países onde este fenómeno político não aconteceu, como Portugal, “a chamada esquerda radical ou comunista tem ainda capacidade para canalizar o protesto e o mau estar na sociedade, servindo ainda de antídoto contra o avanço da extrema direita”.

Questionado também acerca do estado de emergência ativado pelo governo francês em 2015 e prolongado recentemente até julho do próximo ano, o historiador menciona novamente os anos 20 e 30, recordando que “os regimes fascista italiano e nacional socialista alemão (…) surgiram a partir de escolhas de natureza formalmente constitucional”. Ou seja, este tipo de medidas ajuda à “banalização das teses da extrema direita”.

Segunda volta entre Le Pen e Fillon

A maioria das sondagens indica que há uma enorme probabilidade de Le Pen e Fillon disputarem uma segunda volta nas eleições presidenciais. Apesar disso, há alguns precedentes, como é o caso das eleições de 2002, que indicam que uma parte substancial do eleitorado de esquerda poderá optar pelo candidato da direita tradicional, François Fillon.

O professor é ainda da opinião de que “a batalha dela [de Marine Le Pen] é a longo prazo, vai ser ganha no dia em que banalizar a FN e (…) transformar a extrema direita numa presença parlamentar de um terço ou um quarto dos deputados e ser aliado forçoso de qualquer governo de direita”.

A França não é, contudo, o único país que testemunha o crescimento da extrema direita.

Na Alemanha, a Alternativa para a Alemanha (AFD) tem vindo a ganhar força desde 2013, assumindo-se, atualmente, como a terceira maior força política do país. Desde o final da II Guerra Mundial que não se conhecia a uma intervenção da extrema-direita tão determinante.

Foto: AFP/John MacDougall

O Partido Democrata-Cristão (CDU) de Angela Merkel, permanece na liderança relativamente às intenções de voto, com 55%. A atual chanceler vai concorrer ao quarto mandato em 2017 e situa-se à frente do Partido Social Democrata (SPD).

A sondagem realizada apresenta também um aumento de 10% das intenções de voto na AFD, o que permitirá a entrada do partido no Parlamento. Ainda assim, Frauke Petry, líder da AFD não pretende desistir.

A repercussão mundial da extrema direita tem atingido níveis consideravelmente desagregadores mas que, contrariamente ao esperado, têm aliciado as populações à imposição da Direita no poder.

Perante as manifestações neonazis e a presença da política anti-imigração no discurso proferido por Frauke Petry, o JUP foi até à capital  portuguesa para conversar com Paulo Pisco, ex-jornalista e atual coordenador dos deputados do Partido Socialista na Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, por forma a conhecer a sua opinião relativamente à situação política alemã, tendo em conta a evolução do AFD.

https://www.juponline.pt/wp-content/uploads/2016/12/Audio-1-Entrevista-Paulo-Pisco_PatriciaSilva1.mp3?_=1

 

Da cristalização utópica à fecundação

O século XX registou a deterioração da extrema direita na Alemanha, contudo, as ideologias formalizadas na AFD têm tornado possível a ascensão e implantação da força extremista.
O partido político foi fundado em 2013 por um grupo de professores universitários e empresários que se consideravam contra a introdução do euro na Alemanha.
A máxima do partido assentava na contestação do envolvimento do país na intervenção da zona do euro e na possibilidade de unificação de uma moeda nacional.
O tradicionalismo e o caráter conservador são determinantes na ideologia, que se baseia na supremacia dos brancos e que adota uma posição assumidamente contestadora no que concerne à aceitação e permissão da imigração, nomeadamente dos refugiados.

Os resultados das eleições para o Parlamento Regional Land de Berlim, no dia 19 de setembro,  determinaram a intervenção da AFD em estados federados como de Baden Würtemberg (15,1%), Renânia-Palatinado (12,6%) e Alta Saxónia (24,2%), onde o partido se posicionou acima do CDU.

Segundo Paulo Pisco, “nós estamos perante um contexto que é absolutamente novo e que põe em causa tudo aquilo que tem vindo a acontecer aqui desde a II Guerra Mundial, que era procurar coesão e cooperação em termos planetários dos principais blocos de influência”.

O terrorismo como apropriação do discurso anti-imigração

O discurso anti-imigração tem persistido nos partidos de extrema-direita e, como tal, a AFD partilha da enunciação do mesmo.

O deputado do PS admite que a adoção deste tipo de discursos surge devido à situação complexa pela qual a Europa tem passado. “Fazem-no de uma maneira oportunista criando o medo nas pessoas, criando medo quer do terrorismo quer da invasão de natureza islâmica”, afirma.

O apelo a instintos mais elementares do ser humano para alcançar uma maior visibilidade e vantagem, é uma das questões que Paulo Pisco levanta. O deputado considera ainda a dureza e a repressão que assentam no pensamento da população, como sendo fenómenos da política de extrema direita, “o que não percebem e não sabem é que estão a aderir a uma forma de repressão”, diz.

Paulo Pisco refere o Reino Unido, que procurou conter os avanços da extrema-direita, mas que, ainda assim fez com que “os partidos nacionalistas  se colocassem na preponderância dos partidos que a constituem (…)  o mesmo poderá acontecer na Alemanha e poderá haver algum crescimento na AFD precisamente por causa deste tipo de receios e das coisas que se vêem”.

2017: o entendimento entre a extrema-direita e a Europa?

A especulação de um Germexit para a melhoria da economia da União Europeia e a revogação da ascensão da extrema-direita na Europa foi a última questão abordada e, desde logo, o deputado colocou a decisão como estando “totalmente fora de questão”.

Com os valores da sondagem a seu favor, Angela Merkel admite que necessitará de ultrapassar certas dificuldades, uma vez que as medidas de asilo e “portas-abertas” têm sido alvo de controvérsias, não só pelas oposições radicalistas como também pelos atentados terroristas.

2017 será, então, um ano determinante no que diz respeito às relações europeias com a extrema direita.

 

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