Política
AS LEIS DE SALAZAR
António de Oliveira Salazar nasceu em Vimieiro, uma antiga freguesia do concelho de Santa Comba Dão, no distrito de Viseu. Nasceu no seio de uma família de pequenos proprietários agrícolas. A sua educação foi fortemente marcada pelo conservadorismo católico, tendo frequentado durante oito anos, o Seminário Diocesano de Viseu. Embora tenha acabado por desistir da vida eclesiástica e cursar Direito em Coimbra a influência religiosa nunca o abandonou.
Foi docente de Ciências Económicas da Faculdade de Direito de Coimbra. A sua primeira grande incursão no poder político dá-se com o golpe de 28 de maio de 1926, que dá origem à Ditadura Militar, terminando com a Primeira República e elevando Salazar ao Governo, como colaborador de Sinel Cordes, ministro das Finanças.
Dois anos depois, as finanças portuguesas estavam à beira da rutura, o que levou ao afastamento de Sinel Cordes e à ascensão de Salazar – novamente convidado a integrar o órgão executivo. Entre o Ministério das Finanças e a institucionalização do Estado Novo passaram apenas seis anos, durante os quais Salazar conseguiu reanimar as finanças portuguesas.
Em 1933 nascia uma nova Constituição, que foi sujeita a plebiscito. Salazar, numa das suas últimas declarações como Ministro das Finanças, disse: “Embora o povo não esteja, na sua grande maioria, apto para votar em perfeita consciência o texto completo da Constituição, o seu voto tem um significado político que não é lícito desprezar: é um voto de confiança nos dirigentes”.
A Constituição de 1933 estabelecia como pedra angular do sistema o presidente, a quem era atribuído o poder de nomear um Presidente do Conselho, em quem estavam totalmente concentrados os poderes executivos: o presidente, entre 1933 e 1968 foi Óscar Carmona, que nomeou Salazar como Presidente do Conselho.
No número 5 do artigo 13º é dito: “Em ordem à defesa da família pertence ao Estado e autarquias locais tomar todas as providências no sentido de evitar a corrupção dos costumes”. É na senda deste artigo que, durante o Estado Novo, são promulgadas uma série de leis, cujo objetivo seria o de proteger os bons costumes.
António Costa Santos, na sua obra “Proibido!” faz o levantamento das proibições mais peculiares do Estado Novo, para as quais eram estabelecidas punições para os infratores e benefícios para os delatores.
Em tom irónico, o autor recorda o país onde era proibido ir de minissaia para o liceu, onde era proibida a homossexualidade, que era considerada “uma doença mental, tratada no manicómio” e onde se “permitia ao marido matar a mulher em flagrante adultério” (Artigo 372 do Código Penal de 1886).
“O homem casado que achar sua mulher em adultério (…) e nesse acto matar ou a ela ou ao adúltero, ou ambos, ou lhes fizer alguma das ofensas corporais (…) será desterrado para fora da comarca por seis meses”
A Portaria 69035 de 1953, destinava-se a aumentar o policiamento em zonas, na altura, consideradas quentes. Lia-se: “Verificando-se o aumento de actos atentatórios à moral e aos bons costumes, que dia a dia se vêm verificando nos logradouros públicos e jardins e, em especial, nas zonas florestais Montes Claros, Parque Silva Porto, Mata da Trafaria, Jardim Botânico, Tapada da Ajuda e outros, determina-se à Polícia e Guarda Florestais uma permanente vigilância sobre as pessoas que procurem frondosas vegetações para a prática de actos que atentem contra a moral e os bons costumes. Assim, e em aditamento àquela Postura nº 69035, estabelece-se e determina-se que o artº 48º tenha o cumprimento seguinte:
1º Mão na mão……………………2$50
2º Mão naquilo…………………15$00
3ºAquilo na mão………………30$00
4º Aquilo naquilo………………50$00
5º Aquilo atrás daquilo………100$00
Com a língua naquilo, 150$00 de multa, preso e fotografado.”
Dos vadios
No filme de 1933, “A Canção de Lisboa”, a personagem Vasquinho, definia a sua vida de estudante cantando: ”De capa ao ar, cabeça ao léu, sem me ralar vivia eu, a vadiar, e tudo mais eram cantigas”. Contudo, o Código Penal em vigor decretava prisão até seis meses para quem fosse considerado vadio.
Vadio era “aquele que não tem domicílio certo em que habite, nem meios de subsistência, nem exercita habitualmente alguma profissão ou ofício, ou outro mister em que ganhe a sua vida”.
Das professoras primárias
Por sua vez, quem ganhasse a vida exercendo funções de professora primária, estava proibida de casar sem autorização do Ministro da Educação. No decreto-lei da década de 50 que estabelecia esta regra podia ler-se:
“O casamento das professoras não poderá realizar-se sem autorização do Ministro da Educação Nacional, que só deverá concedê-la nos termos seguintes:
1º Ter o pretendente bom comportamento moral e civil;
2º Ter o pretendente vencimentos ou rendimentos, documentalmente comprovados, em harmonia com os vencimentos da professora.”
Dos isqueiros e acendedores
Mas, atente-se que se o futuro marido da professora primária fosse fumador, teria de acender os cigarros com fósforos, ou então adquirir uma licença de isqueiro.
Isto porque em novembro de 1937, o Decreto-lei nº 28219 estabelecia que, qualquer cidadão, para poder utilizar isqueiros (ou outro tipo de acendedores) em público, tinha que possuir uma licença, passada pela Repartição de Finanças.
A licença servia apenas para um isqueiro e para o seu respectivo portador, que não o podia emprestar. Os fiscais de isqueiros e a Polícia podiam apreender o acendedor e multar quem não tivesse este documento. Este Decreto-lei viria a ser abolido em 1970.
Dos trajes de praia
Mas, mais ainda: se o dito futuro marido da professora quisesse fumar na praia, acompanhado da sua noiva, ambos teriam de levar um fato de banho à medida. Isto porque, em 1941, chegaram a Portugal muitos refugiados da Segunda Guerra Mundial, que não estavam habituados ao pudor e conservadorismo do Portugal Salazarista. Consequentemente, o Ministro do Interior ditou:
“Factos ocorridos durante a última época balnear mostraram a necessidade de se estabelecerem, com a precisão possível, as normas adequadas à salvaguarda daquele mínimo de condições de decência que as concepções morais e mesmo estéticas dos povos civilizados ainda, felizmente, não dispensam”
A 5 de maio desse ano, nasce o decreto-lei 31:247, que integrava “várias disposições sobre o uso e venda de fatos de banho”, instituindo e estabelecendo “o sistema de fiscalização e sanções a aplicar aos transgressores”. Assim, homens e mulheres passariam a obedecer a regras específicas na forma de vestir na praia:
Os homens deveriam utilizar “fato inteiro em que o pano anterior se prolonga cobrindo toda a frente do calção, de costura a costura lateral. O calção deve ser justo à perna, de corte direito e terá um comprimento de perna mínimo de dois centímetros. A frente do fato, qualquer que seja a forma do decote, deve cobrir a parte anterior do tronco, tapando os mamilos. As costas podem ser decotadas até à cintura”.
Para as mulheres, “o fato de banho deve ser inteiro e ter saiote fechado. O calção interior é justo à perna, de corte direito e deve ter o comprimento de perna mínimo de dois centímetros. O saiote, que pode ser independente do corpo do fato, terá o comprimento necessário para exceder, pelo menos de um centímetro, a extremidade inferior do calção depois de vestido. A frente do fato deve cobrir a parte anterior do corpo, não podendo o decote ser exagerado, a ponto de descobrir os seios. As costas poderão ser decotadas até dez centímetros acima da cintura, sem prejuízo do corte das cavas que devem ser, quanto possível, cingidas às axilas”.
Em ambos os casos não era permitido o uso de fatos que se tornassem “imorais pela sua transparência”. As raparigas até aos 10 anos e os rapazes até aos 12 estavam dispensados das normas supracitadas, excepto “nos casos de desenvolvimento precoce”.
Do mobiliário da sala de aula
No final da época balnear, quando a professora regressasse à sala de aulas, a sala deveria estar corretamente configurada: “por detrás e acima da cadeira do professor um crucifixo, como símbolo da educação cristã determinada na Constituição”. A introdução do crucifixo nas escolas é decretada pelo Lei n° 1941 de 11 de Abril de 1934.
Mas Salazar não se ficou por aí. No decreto n.º 25:305/1934, de 9 de maio, destinado a fixar o mobiliário mínimo para o funcionamento de cada sala de aula de instrução primária determina que em cada uma deverá haver “devidamente emoldurado, o retrato do Chefe do Estado e, resguardada em redoma conveniente, uma bandeira nacional”.
Dos livros e estudos
No entanto, não se pense que a sala de aula estaria cheia de alunos dos mais variados estratos sociais. Nesta época, só os filhos das famílias mais abastadas tinham oportunidade de estudar, daí que ainda hoje a maior taxa de analfabetismo esteja entre a população mais idosa. Outras particularidades são, por exemplo, o facto de na província os alunos terem de pedir a benção ao professor e, em Lisboa, dar os bons dias em coro.
Num livro de leitura da primeira classe podia ler-se, antes da aula:
“Todos: Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amén.
Professor: Jesus, divino Mestre,
Todos: Iluminai a minha inteligência, dirigi a minha vontade, purificai o meu coração, para que eu seja sempre cristão fiel a Deus e cidadão útil à pátria.
Todos: Pai-Nosso, Ave-Maria, Glória”
E depois da aula:
“Professor: Graças vos damos, Senhor,
Todos: Por todos os benefícios que nos tendes concedido. Amén.
Professor: Abençoai, Senhor,
Todos: A Vossa Igreja, a nossa pátria, os nossos Governantes, as nossas famílias e todas as escolas de Portugal. Pai-Nosso, Avé-Maria, Glória. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amén”
A Constituição de 1976 trouxe um catálogo de direitos, liberdades e garantias que hoje, num verdadeiro Estado de Direito, são de todos e para todos. Porque “somos um povo que cerra fileiras, parte à conquista do pão e da paz”, hoje “somos livres, somos livres, não voltaremos atrás”.