Política
O FUTURO DA EUROPA DEBATIDO NO PÓLO ZERO
O Pólo Zero foi ontem palco de um debate onde o futuro da Europa e o papel do cidadão europeu estiveram em destaque.
O debate contou com a participação de Diogo Feio, antigo Eurodeputado e atual docente da Faculdade de Direito da Universidade do Porto e Álvaro Santos Almeida, candidato do PSD à Câmara Municipal do Porto e professor na Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Os convidados abordaram questões-chave como o sistema financeiro europeu e o governo da Europa.
A apenas dois dias das eleições francesas, o assunto não podia passar em branco e foi visível a convergência da opinião dos dois oradores: concordaram que, caso o resultado dite uma segunda volta entre Marine Le Pen – candidata da extrema-direita – e Jean-Luc Mélenchon – apoiado pelo partido Comunista francês, a União Europeia acabará no mesmo momento.
Foi precisamente o ato eleitoral francês que serviu de base para o início da intervenção de Álvaro Santos Almeida, que começou por destacar que “dois dos principais candidatos à presidência francesa são contra o atual modelo” e que esta constatação deve conduzir a uma reflexão com vista a encontrar alternativas: “Que sistema financeiro europeu poderíamos ter, diferente do atual? Quais as suas vantagens? Quais os seus defeitos?”.
Perante as perguntas e em jeito de resposta, surgiu uma outra questão que se prende com as possíveis relações entre os diferentes sistemas financeiros nacionais dentro do espaço europeu.
O Modelo Autónomo, o Modelo da Autonomia Parcial e o Modelo Único
Santos Almeida enumerou os três modelos financeiros existentes na europa e delineou as suas principais características, vantagens e desvantagens. Por base estabeleceu um conceito que, na sua opinião, deveria ser o grande propósito das autoridades europeias e não um simples detalhe: o bem-estar das pessoas.
Partindo deste pressuposto, apontou ainda “a estabilidade” e o “crescimento da economia” como instrumentos e meios para atingir o objetivo desejado.
No que diz respeito ao Modelo Autónomo, o orador destacou as suas principais vantagens: a criação e existência de uma moeda nacional; e a capacidade dos “governos decidirem as suas políticas”, sem a coordenação de outros organismos internacionais.
No entanto, este modelo, ao decretar que cada nação pode ter a sua própria moeda, origina um problema a nível cambial que não afeta cada país de forma isolada: “As crises de câmbio podem dar origem a crises de incerteza, nomeadamente no financiamento estrangeiro devido à subida das taxas de juro a que se juntam as taxas cambiais que podem variar a qualquer momento”.
Outra desvantagem apontada por Santos Almeida ao sistema autónomo é a incerteza que pauta permanentemente os mercados financeiros e que em situações extremas pode levar a uma corrida desenfreada aos bancos e ao colapso dos próprios sistemas bancários dos países.
Em contrapartida, na visão do orador, esta desvantagem pode ser contrariada pela autonomia dos bancos nacionais em emitir moeda nacional e, desta forma, garantir o cumprimento dos compromissos, bem como contrariar tendências negativas na economia.
Relativamente ao sistema de Autonomia Parcial (um sistema com moeda própria mas com estabilidade cambial) e numa abordagem muito breve, o docente da FEP apelidou-o de “o pior de dois mundos”, já que este combina fortes fontes de incerteza a nível nacional com a vulnerabilidade dos outros sistemas.
No que diz respeito ao sistema de Moeda Única, o interveniente defendeu que caso este funcionasse de forma plena, deveria estar-lhe associado “um mercado único sem instabilidade, um crescimento económico que beneficiasse dessa mesma estabilidade, taxas de juro mais baixas e, sobretudo, um mecanismo de ajustamento mais forte do que os mecanismos nacionais”.
Perante esta incapacidade, Santos Almeida acredita que “qualquer problema que surja num determinado país é muito mais difícil de combater e resolver do que seria a nível europeu”.
Em contrapartida, e como aspetos negativos a apontar, foram referidos “a perda de autonomia de políticas, a adoção de medidas de austeridade e a renuncia aos mecanismos de ajuste próprios”.
Em tom de balanço, Álvaro Santos Almeida concluiu que, para si, “sair do Euro não é uma opção sensata”, embora admita a existência de sistemas alternativos, como é “o caso bem sucedido da Suécia”.
“Reforçar o euro” é, para o candidato à Câmara Municipal do Porto, crucial e existem muitos outros aspetos que devem ser melhorados nesse sentido, nomeadamente “transformar a Zona Euro numa verdadeira zona financeira única”.
“Este ano é um cocktail de dramas para União Europeia”
Diogo Feio, antigo eurodeputado, começou a sua intervenção pela definição de conceitos próximos como “governo”, “governança” e “governação” que, na sua opinião, são muitas vezes confundidos e misturados devido à evolução dos termos.
O próprio tema da sua comunicação, “O Governo da Europa”, mereceu uma análise tendo em vista a clarificação daquilo que muitos interpretam como “Governo da União Europeia”, outros como “Governo da União Monetária”, outros ainda como “Governo da Zona Euro”, ou então os “Governos da Europa”.
A incerteza relativa ao “todo poderoso da Europa” e ao exercício de poder praticado pelas várias instâncias comunitárias levaram o orador a considerar estes factos como dois dos dramas que a UE atravessa atualmente.
Na mesma linha, outra das grandes dificuldades do projeto europeu prende-se com os atos eleitorais nacionais, que se realizam constantemente e que são autênticos obstáculos à implementação de medidas: “Nunca se pode avançar mais porque vão sempre realizar-se atos eleitorais em algum país. Sistematicamente temos um drama eleitoral na Europa, que este ano é um cocktail de dramas”, afirmou.
Na sua opinião, as novidades que o Tratado de Lisboa veio trazer relativamente ao Governo da Europa foram “positivas e douradoras, embora acabassem por desvanecer, tanto que agora é difícil encontrar o primeiro-ministro da Europa”.
A lógica de vários presidentes – Presidente da Comissão Europeia, o Presidente do Concelho da União Europeia, o Presidente do Parlamento Europeu, o Presidente do Banco Central Europeu – e a vontade de várias pessoas aparecerem e querem assumir o governo da Europa “é outro dos obstáculos que a Europa enfrenta na sua progressiva integração”.
“Deve terminar o clima de desconfiança entre estados-membros e a União Europeia, mas sobretudo entre estados-membros reciprocamente“
Diogo Feio
Para Diogo Feio, é correto assumir que “dentro da União Europeia irão existir dois modelos de governo: um mais perfeito que contempla a moeda única, juntamente com tudo o que isso acarreta e outro que seria o governo da UE propriamente dito, que deve dar espaço e liberdade aos Estados que não querem estar dentro da Zona Euro”.
Feio considera ainda que esta questão deve estar contemplada nos tratados e que a “obrigação de Estados” não deve ser uma opção viável: “A flexibilidade deve existir e caso esta fosse já uma realidade, o referendo que deu origem ao Brexit não existiria e o próprio Brexit também não”, concluiu.