Política

CURDISTÃO: UM PAÍS SEM FRONTEIRAS

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O Curdistão é um espaço geográfico, sem fronteira definida, que congrega regiões de maioria curda. Este espaço transfronteiriço, compreende terra pertencente à Turquia, Iraque, Irão e Síria.

Um povo heterogéneo 

Apesar de estarem divididos entre as planícies e as montanhas, tribos distintas e espaços geográficos distantes, o povo curdo tem uma cultura distintiva e transversal aos milhares de quilómetros que separam os curdos da Turquia e os curdos do Irão. Ao longo da sua história, esta divisões não facilitaram o processo de criação de uma identidade política unívoca e nacional curda.

O povo curdo não professa uma religião única. Na sua maioria são muçulmanos sunitas, à semelhança da maior parte dos habitantes da Turquia e Iraque. Os curdos, que se acredita serem descendentes de migrantes que chegaram ao Médio Oriente 4 mil anos antes de cristo, são historicamente seguidores do zoroastrismo, uma religião ancestral, que ainda hoje é importante no seio desta comunidade. Para além disto, há curdos muçulmanos de diversos credos, como alevitas, xiitas, yazidis, bem como cristãos ou judeus.

Da mesma maneira que não existe uma unidade no que concerne à religião, também a língua é um fator de divisão entre os milhões de curdos espalhados pelo Curdistão. Existem duas correntes principais da língua curda, que se subdividem em múltiplos dialetos que muitas vezes não são inteligíveis entre si: o Kurmanji, falado no Curdistão Norte (Turquia e Iraque) e o Sorani, falado no Curdistão Sul. Muitos curdos não são fluentes em línguas curdas, preferindo as línguas principais dos seus países como o turco ou o persa. A influência destas últimas não é separável da evolução do curdo nos últimos anos. O ensino e os media locais deixaram uma marca indelével na cultura curda, com principal impacto na língua e nos seus usos.

Infografia: António Vieira

O pós-guerra e a impossibilidade de um Estado curdo

A derrota do Império Otomano na Primeira Guerra Mundial levou à sua desintegração e divisão pelos vencedores.

Antes de 1918, o Império dominava a maioria dos territórios do Médio Oriente, estendendo-se desde a Anatólia (atual Turquia) até à Península Arábica e Golfo Pérsico. Pelo meio, reunia todos os territórios entre os atuais estados de Israel e Irão.

O Tratado de Séveres, assinado em 1920, aboliu o Império Otomano e entregou o território não-turco aos Aliados. O tratado fez lei do acordo secreto realizado em 1916 entre Império Britânico e França, conhecido como Sykes Picot.

O acordo, realizado ainda durante a guerra, dividia o Médio Oriente em esferas de influência das duas potências europeias, que poderiam dentro dessa zona, traçar fronteiras como pretendessem.

O Tratado de 1920 estabelecia a criação de um Estado Curdo, no entanto, nunca chegou a ser ratificado. O recém-criado Estado turco, liderado por Mustapha Kemal, voltou-se contra os termos do tratado, apoiado num exército reconstruído forçou uma nova negociação.

Nesta revolta teve o apoio do próprio povo curdo, que julgava ver nas tendências seculares de Kemal a possibilidade de liberdade que não imaginavam debaixo de um estado patrocinado por potências cristãs ocidentais.

Em 1923 foi ratificado o Tratado de Lausanne. Este reconhecia a Turquia como um Estado independente, desenhava as suas fronteiras atuais e deixava cair a promessa de criação de um Estado curdo.

A impossibilidade de criação de um Estado curdo dividiu os curdos por diversos Estados à medida que foram “desenhadas na areia” as linhas que passariam a ser as novas fronteiras do Médio Oriente. Esta divisão teve consequências profundas para a população curda, que nunca encontrou uma verdadeira nacionalidade nos países que passaram a ser os seus.

Os curdos na Turquia

Na Turquia, país com a maioria minoria curda, o conflito entre o Estado e esta minoria tem um extenso historial. Desde o estabelecimento das fronteiras do Estado turco, a minoria curda fez um esforço de secessão dos territórios onde é maioritária (sudeste do país).

Durante os primeiros 15 anos debaixo do domínio turco, os curdos levantaram-se dezenas de vezes contra o Estado, lutando por mais direitos cívicos e sociais. À época, o ensino em língua curda não era permitido e os recém-nascidos não podiam ter nomes curdos.

Os combates terminaram devido ao esgotamento das forças curdas e o nacionalismo curdo apenas renasceu 20 anos volvidos, já nos finais dos anos 50 e início dos anos 60. O renascimento do sentimento nacional curdo está associado a diversos fatores. O crescimento do pluralismo na política turca foi o fator principal, ao ter permitido a integração de curdos em órgãos de decisão política.

Durante este período, as províncias curdas pouco acompanharam o desenvolvimento económico do resto do país, mantendo-se subdesenvolvidas e em carência de infraestruturas como estradas ou escolas.

Em 1984, o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) pegou em armas contra o Estado turco. O conflito, que durou até 1999, vitimou na maioria civis, apanhados entre as táticas de guerrilha do PKK e as forças militares turcas. Entre a espada e a parede, a população curda fugiu como pode ao conflito, provocando a deslocação de quase 400 mil curdos para longe das suas casas.

No século XXI o conflito recrudesceu. A Turquia mantém o tabu sobre a existência dos curdos, continuando a vê-los apenas como “turcos das montanhas”. Os atentados perpetrados pelo PKK e as respetivas retaliações por parte do exército turco mantêm-se até aos dias de hoje.

Neste momento está a ser negociada, entre o Governo Turco e o líder do PKK, Ocalan, uma nova trégua. A Turquia, que considera o PKK um grupo terrorista, mantém o seu líder preso, e é nesta condição que ele procura negociar um acordo com o Governo Turco que permita integrar o povo curdo na sociedade turca em troca do fim da insurgência. As medidas de integração incluem, por exemplo, o regresso da radiodifusão e do ensino em curdo.

Curdos no Iraque

Nos dias de hoje, o Iraque é o único país do Médio Oriente que possui uma província autónoma curda, surgida após a intervenção americana no país, que teve no povo curdo um forte aliado. Apesar de na atualidade terem uma realidade mais estável politicamente que os seus “familiares” nos países circundantes, é sangrenta a história dos curdos no Iraque.

A presidência de Saddam Hussein não foi tolerante para com as minorias étnicas, sendo inúmeros os crimes contra a humanidade cometidos por ele. Em 1988, nos últimos dias da guerra entre o Iraque e o Irão, foram assassinados entre 50 mil e 100 mil curdos na campanha de Anfal, naquele que constituiu um dos episódios mais sangrentos da história deste povo.

O território atacado foi arrasado, tendo sido destruídas 90% das aldeias nele existentes. A campanha de sistemática eliminação do povo curdo e de outras minorias étnicas no norte do Iraque incluiu ataques com armas químicas e foi reconhecida como genocídio por diversos países do mundo ocidental.

Curdos no Irão

A repressão do regime iraniano e a desunião dos curdos iranianos torna-os praticamente irrelevantes no plano internacional.

O Governo Iraniano reprime com punho de ferro qualquer tipo de ativismo pró-curdo, sendo usuais as execuções de ativistas curdos. Em 2011, as forças armadas levaram a cabo uma operação militar contra o PJAK, um partido de guerrilha, que matou centenas de combatentes e civis.

Mais do que um peão no tabuleiro de xadrez do Médio Oriente

A crescente instabilidade na região fez aumentar a importância do povo curdo e fez dele uma importante peça no xadrez que se joga nas fronteiras da Síria, Turquia e Iraque. A guerra civil síria, o conflito sectário entre sunitas e xiitas no Iraque e o crescimento do ISIS tornaram o Médio Oriente num campo de batalha do qual o povo curdo não se consegue desligar.

Apesar da desorientação que parece grassar na região, as forças curdas têm sido eficazes a travar o avanço do Estado Islâmico para dentro da Região Autónoma Curda, recém-formada no norte da Síria, conhecida como Rojava.

Os peshmerga (forças armadas do Curdistão Iraquiano) a par das YPG têm estado na linha da frente contra o ISIS, conseguindo importantes vitórias, apesar de contarem com a oposição do exército Turco, que tanto bombardeia os extremistas islâmicos como os combatentes curdos.  

O mês passado, Trump anunciou que irá apoiar o YPG (Unidades de Proteção do Povo Curdo) na sua luta para conquistar um bastião do ISIS, a cidade de Raqqa. O Governo Americano considera as SDF (Forças Democráticas Sírias) cruciais na luta contra o Estado Islâmico.

O Governo Americano irá fornecer armas às milícias curdas, mas enfrenta forte oposição do Governo Turco, que as vê como aliadas do PKK, que o governo considera um grupo terrorista.

Mas não só de força militar se faz a importância dos curdos neste campo de batalha. Aproveitando os recuos dos exércitos sírios e iraquiano e o vazio de poder que se seguiu, a região de Rojava tem-se estabelecido como uma poderosa força política, um oásis seguro numa região devastada pela guerra.

Descrita como o mais ambicioso projeto a surgir na sequência da chamada Primavera Árabe, a utopia de Rojava é a promessa de país democrático, secular, respeitador da liberdade de expressão, das minorias étnicas, religiosas e dos direitos das mulheres.

A conquista da cidade de Kirkuk, rica em petróleo, aumenta a autonomia económica da região e ameaça tornar real a possibilidade de secessão territorial e o estabelecimento de um país curdo.

 

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