Política
CATALUNHA: BRAÇO DE FERRO PELA INDEPENDÊNCIA
Contextualização histórica
Na manhã de 9 de Junho, Carles Puigdemont, presidente do governo catalão, anunciou a realização de um referendo sobre a independência da Catalunha. O seu discurso foi curto, todavia, as suas ambições para a região foram inequívocas: a constituição de um Estado soberano catalão na forma de república.
No mesmo comunicado, o líder da Generalitat qualificou o referendo como um “exercício do legítimo direito à auto-determinação de uma nação milenária como a Catalunha”, bem como salientou o carácter vinculativo do plebiscito. “A resposta que nos derem os nossos concidadãos – em forma de “Sim” ou de “Não” – será um mandato que quem governa se compromete a aplicar”, asseverou o político catalão.
Porém, enquanto o executivo catalão considerou uma consulta popular como algo que se encontra ao abrigo das suas garantias democráticas, Madrid, sede do governo espanhol – um muro de pedra face às intenções independentistas catalãs – condenou a realização do referendo e decretou a sua ilegalidade.
De acordo com o jornal El Periódico, o porta-voz do governo de Mariano Rajoy, Íñigo Méndez de Vigo, exortou Carles Puigdemont a “cumprir a lei, governar para todos e a preservar a neutralidade dos funcionários catalães”. Todavia, as palavras foram apenas um prelúdio dos actos.
No dia 20 de Setembro, a Guarda Civil espanhola anunciou a detenção de Josep María Jové, um alto-funcionário da administração local da Catalunha. Na sequência da mesma operação policial, foram detidos 14 funcionários administrativos do Govern, sob o pretexto de estarem a trabalhar em função da realização do referendo.
Na esteira das detenções, o primeiro-ministro espanhol lançou um repto ao executivo catalão através de um comunicado televisivo: abandonarem por completo o projecto referendário. “Não avancem, não tem legitimidade nenhuma, regressem à lei e à democracia.”
Mas a ação levada a cabo por Madrid, ao contrário de refrear a vontade do povo catalão em proceder à votação, antes pareceu ter surtido o efeito oposto. Um pouco por toda a Catalunha, massas populares cada vez mais numerosas acudiram a demonstrações pacíficas de insatisfação contra o governo central.
Entretanto, a administração local também não dava sinais de comedir os seus intentos. Carles Puigdemont anunciou, na sua conta do Twitter, a criação de uma aplicação móvel com o fim de auxiliar os cidadãos a encontrar as mesas de voto no dia 1 de Outubro.
O dia 1 de Outubro acabou por chegar, mas com ele veio a repressão e a violência. De acordo com o El País, a Generalitat registou mais de 800 feridos fruto dos confrontos com a Guarda Civil e a Polícia Nacional Espanhola. As forças do governo central protagonizaram cargas policiais sobre os eleitores e forçaram a entrada em várias assembleias de voto, apreendendo urnas e boletins. Quanto aos números da votação, a Generalitat, anunciou a vitória do “Sim” no Twitter, com 90% dos votos contabilizados a manifestarem-se a favor da independência.
No dia seguinte, a Catalunha acordou paralisada numa greve geral de proporções inéditas. O El Mundo dava conta do encerramento de 90% dos estabelecimentos comerciais na região. O povo, esse, estava na rua a entoar Els Segadors – o hino catalão.
Desde então, a situação entrou num impasse. Carles Puigdemont proclamou a independência da Catalunha de forma não vinculativa no dia 10 de Outubro, apenas para pedir a suspensão dos seus efeitos e apelar ao diálogo com Madrid. À proclamação seguiu-se uma resposta resoluta por parte do governo central. No dia 21, Mariano Rajoy accionou artigo 155º da Constituição Espanhola, que prevê a remoção do estatuto de autonomia à Catalunha, aflorando a realização de eleições antecipadas na região. Este cenário foi, todavia, rejeitado de forma perentória pelo presidente do governo catalão, acentuando o clima de incerteza.
No dia 27, os 135 deputados que constituem o parlamento catalão foram convocados para votar a independência da região. Antes da votação secreta, os deputados dos partidos Ciudadanos, do Partido Socialista da Catalunha e do Partido Popular abandonaram o hemiciclo do Palau de la Generalitat, largando bandeiras do Reino de Espanha nas cadeiras vazias.
Após a contagem dos votos, Carme Forcadell, a presidente do parlamento da Catalunha, anunciou a ratificação parlamentar dos resultados obtidos nas urnas de voto populares.
“Cidadãos da Catalunha, vêm horas em que a todos corresponderá manter o pulso deste país, de mantê-lo no terreno da paz, do civismo e da dignidade”, asseverou Carles Puigdemont ante cerca de 200 autarcas catalães que esperavam o resultado da votação no interior do edifício governamental. Entretanto, nas ruas de Barcelona celebrava-se a declaração de independência, com milhares de manifestantes a exigirem a retirada da bandeira do Reino de Espanha da haste da Generalitat.
Ao abrigo do artigo 155º, Mariano Rajoy anunciou a demissão de Carles Puigdemont, bem como a dissolução do governo e do parlamento regional. Numa Catalunha destituída do seu estatuto autonómico, caberá ao governo central decidir de que forma é que os seus departamentos ministeriais vão assumir as pastas do governo catalão até às próximas eleições regionais, marcadas para o dia 21 de Dezembro.
Porquê agora?
A Catalunha é a região mais rica de Espanha, contribuindo com cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) espanhol, de acordo com o jornal Público.
Os cortes orçamentais e o aumento de impostos que a região sofreu após a crise financeira de 2008 disseminaram o descontentamento, que se traduziu no plano político com a ascensão de partidos separatistas, como o Convergència Democràtica de Catalunya (CDC), o Candidatura de Unidad Popular (CUP) e o Esquerra Republicana de Catalunya.
Em 2010 o Tribunal Constitucional espanhol anulou a legislação aprovada 4 anos antes, que concedia à região o estatuto de país e um sistema fiscal autónomo. Estas medidas induziram no povo catalão um sentimento de revolta generalizado contra o governo central e o movimento independente voltou a ganhar força.