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Política

VENEZUELA: “NÃO CONSEGUIA VIVER, SÓ TENTAR SOBREVIVER”

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“Terrível, desesperante, triste, injusto”. É deste modo que "Maria" classifica um dia na Venezuela em crise.

“Maria” (nome fictício) é luso-venezuelana, tem 43 anos e é licenciada em engenharia informática. Deixou para trás toda a vida no seu país natal e tenta recompor-se em Barcelona, onde vive atualmente. Contou ao JUP a sua história para ilustrar as situações aflitivas por que passam os migrantes venezuelanos.

“Terrível, desesperante, triste, injusto”. É deste modo que classifica um dia na Venezuela em crise. “Maria” recorda na primeira pessoa o dia em que acordou com a sua filha pequena a chorar: “Tinha febre e dores e eu não tinha medicação para lhe dar. Também não tínhamos água nem eletricidade”. Tentou chegar à fala com as tias, para pedir ajuda, mas “não tinha telefone porque os ladrões tinham levado novamente o fio de cobre”.

Afirma ter sido “uma experiência de desespero muito forte”. Mesmo sendo “uma mulher lutadora e com um bom emprego”, “ainda assim não conseguia viver, só tentar sobreviver…”

Quando questionada sobre de que modo o Governo venezuelano tenta solucionar a situação, o tom muda: “Aquelas pessoas não são pessoal preparado para fazer alguma coisa com jeito, alguma coisa que preste. Só tentam apagar a fome com mediocridade, aproveitando-se da ingenuidade e culpando os outros pelas suas responsabilidades. Eles estão gordinhos e com muito dinheiro… O povo é que tem fome… e ficou sem nada”.

Da Venezuela a Espanha: “uma situação muito triste”

Acerca do processo de partida da Venezuela e chegada a Espanha, diz ter sido “uma situação muito triste” e “a mais forte” que alguma vez viveu: “Deixei a minha casa própria, que com tanto esforço consegui comprar e encher com as minhas coisas, o meu lar, toda a minha vida, os meus anos de experiência profissional”.

“E ao chegar cá [a Barcelona] foi muito difícil conseguir emprego e até conseguir os papéis, embora sendo portuguesa”. Confessa que ainda hoje a sua vida está “em pedaços”: “as minhas coisas na Venezuela, a minha pequena em Portugal com os meus pais e o meu coração com ela, eu a morar numa habitação procurando uma melhor situação para trazer a minha vida e tudo o que é meu de volta, o pai da minha filha ainda na Venezuela também”.

Os tempos mais recentes também têm sido de agitação social em Barcelona e em toda a região da Catalunha, embora por motivos díspares. À pergunta sobre se o sentimento de insegurança é ou foi de alguma maneira comparável ao que viveu na Venezuela, Maria relativiza a situação que, na sua ótica, para além de ter uma amplitude diminuta, “uma coisa muito magra”, “não tem nada a ver com a situação da Venezuela”. E logo enfatiza que “lá [na Venezuela] morrem pessoas em quantidade todos os dias.”

Não pensa em voltar à Venezuela e quer viver tranquilamente: “A minha filhinha precisa de mim e eu quero dar-lhe o melhor de mim e as melhores oportunidades para se desenvolver.” No entanto, nem a situação que assola a sua terra faz desvanecer o orgulho que sente do país natal: “Vou sempre amar a minha terra. A Venezuela é o país mais lindo do Mundo com a gente mais lutadora e admirável do Mundo. Não merece nada do que acontece agora.”

“Não somos todos como o Governo. Há muita gente boa que trabalha e estuda muito. Temos valores, princípios e costumes muito bons e fortes, música e cultura antiga e tradicional, muito talento. A Venezuela é maravilhosa e eu sempre tentarei demonstrar tudo isso porque levo a Venezuela, a minha terra de graça, no meu coração”, remata “Maria”.

Instabilidade política, inflação de 1300% e falta de comida nos supermercados

O próximo mês de maio será, em princípio, marcado por eleições presidenciais na Venezuela. Atualmente, é Nicolás Maduro que preside a República Bolivariana da Venezuela, já há cinco anos, depois de Hugo Chávez.

A queda do preço do petróleo, propulsor da economia venezuelana, é um dos fatores que abalou a economia venezuelana.

Estimativas do Fundo Monetário Internacional apontam para o incremento de uma inflação galopante que este ano poderá atingir os 13000%. A pobreza é o denominador comum entre a população, aliada à falta de alimentos nos supermercados e à criminalidade nas ruas.

A escassez de bens de primeira necessidade, as falhas nos mais básicos cuidados de saúde, a desvalorização monetária e os minguados salários, combinados com a instabilidade política que se vive na região estão na génese de um novo êxodo.

A onda migratória: cerca de 3 milhões já deixaram a Venezuela

Tomás Páez, sociólogo e coordenador do Observatório La Voz de la Diáspora afirmou ao El País que a última onda migratória começou em 2015 e, desde então, intensificou-se de maneira exponencial. Ao The New York Times, este professor na Universidade Central da Venezuela, afirmou que “os pais estão a dizer que preferem despedir-se dos filhos num aeroporto do que num cemitério”.

Em conformidade com o World Migration Report de 2018 da Organização Internacional para as Migrações (OIM), os pedidos de asilo de venezuelanos nos Estados Unidos da América aumentaram 168% entre 2015 e 2016, passando de um total de 27000 em todo o mundo para cerca de 50000, considerando somente o primeiro semestre de 2017.

No que se refere às migrações, dados da OIM apontam para um aumento de 10 a 15 vezes do número de venezuelanos que partem rumo a outros países sul-americanos. Fora da região, os Estados Unidos da América, a norte, e a Espanha, na Europa, afiguram-se como os principais países acolhedores desta diáspora que se estende um pouco por todo o Mundo.

O Observatório La Voz de la Diáspora calcula serem perto de três milhões os venezuelanos que engrossam esta vaga migratória numa fuga para uma nova realidade.

Por Adolfo Serrão.

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