Política
QUE SE PASSA NA EUROPA?
Teresa Cierco
Doutorada em Ciência Política e Relações Internacionais, Investigadora do Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade (CEPESE), da Universidade do Porto, Docente na Faculdade de Letras da mesma universidade.
Publicações recentes incluem A Influência Político-económica da Alemanha na Europa (1945-1995), Edições Pedro Ferreira,Lisboa, 1997; e O Conceito de Refugiado e o Asilo na Perspectiva das Relações Internacionais: O Caso da União Europeia (tese de doutoramento), Universidade do Minho, 2002. Foi a principal responsável pelas entradas relativas às Organizações Internacionais.
Como descreve a União Europeia atual?
Hoje as prioridades da União Europeia (UE) encontram-se centradas em questões de carácter económico-financeiro. A recessão económica e as sua implicações sociais irão fazer-se sentir durante vários anos no espaço europeu. Os problemas sociais como a elevada taxa de desemprego, o aumento do descontentamento social dadas as acentuadas desigualdades, e o aumento da criminalidade, contribuem para a instabilidade social que se faz sentir sobretudo nos Estados que foram alvo de resgates financeiros.
Há, assim, uma clara reorientação da União Europeia para os problemas internos e os projectos que implicam um maior aprofundamento, estão por agora estagnados.
No próximo mês de maio, as eleições para o parlamento europeu, irão mostrar se os cidadãos mantêm a confiança na UE enquanto projecto económico, políticos e social. Pela primeira vez, irão também escolher, indirectamente, o presidente da Comissão Europeia para os próximos cinco anos. Contudo, as críticas à falta de legitimidade democrática continuam presentes sobretudo junto daqueles que consideram que há, cada vez mais, um evidente distanciamento dos cidadãos dos principais centros de decisão que se reflecte, por exemplo, na baixa participação destes nas eleições europeias.
É, no entanto, necessário lembrar que este afastamento progressivo ocorre ao mesmo tempo que na UE atribuiu uma maior influência ao papel do Parlamento Europeu
É de prever que a economia estará no centro da campanha política que se vai desenvolver nos vários Estados membros. Desde 2010 que o debate se situa entre a austeridade versus políticas de crescimento económico.
Neste contexto de difícil situação económica de alguns países, não nos podemos esquecer da ameaça do nacionalismo, e de políticas de carácter xenófobo que acabam por ter uma expressão política importante em alguns Estados membros. Ao longo da nossa história, as crises económicas são normalmente acompanhas por um reacender dos nacionalismos que surgem como resposta à crise. Estes podem colocar em causa a unidade política que se pretende construir na Europa.
A discussão à volta do projecto europeu implica, da parte da sociedade europeia, uma reflexão sobre a sua vontade em nele participar.
Penso que há hoje uma clara falta de visão por parte da elite política europeia em relação ao sentido da integração europeia e uma das consequências deste facto reside no aumento da desconfiança dos cidadãos europeus no próprio projecto.
Quais as principais diferenças entre a Europa Ocidental e a Europa de Leste?
A Europa de Leste é uma região que compreende várias culturas, etnias, línguas e herança histórica. É preciso lembrar que este grupo de Estados esteve sob a esfera de influência soviética durante várias décadas, e este facto ajuda a explicar o atraso de desenvolvimento nesta parte da Europa, e que é diferente daquele que existe na Europa Ocidental.
Um dos fenómenos mais importantes do continente europeu após a guerra fria consistiu na re-inclusão da Europa Central e de Leste nas relações político-económicas da Europa Ocidental. Fortes laços foram gerados entre a União Europeia e estes países, sobretudo a partir do apoio que a UE deu aos difíceis e complexos processos de transição empreendidos pelos países desta parte da Europa, e que foi essencial ao seu sucesso. Claro que, como afirma Geofrey Pridham, a consolidação da democracia demora gerações a efectuar-se.
Actualmente, com três décadas de democracia, este grupo de Estados apresenta já indicadores positivos em várias áreas. No entanto, continuam a enfrentar sérios problemas como é o caso da corrupção, que se faz sentir mais na Bulgária e na Roménia, dado o evidente atraso de desenvolvimento destes dois países em relação aos restantes.
Sei que grande parte da sua investigação está relacionada com a Bósnia-Herzegovina (BH). Como a situação instalada neste momento no país?
É uma situação preocupante que se arrasta há vários anos. Os líderes políticos têm se mostrado incapazes de resolver os problemas que afectam a sociedade: elevada taxa de desemprego (40%) que afecta sobretudo os jovens, pobreza e miséria generalizada.
Tuzla (3ª maior cidade do país), uma das mais importantes ao nível da indústria (metalúrgica, petroquímica e carvão), e Sarajevo (capital), são as cidades onde se faz sentir o descontentamento generalizado.
É necessário lembrar que a BH era a mais pobre das repúblicas da ex-Jugoslávia. Além disso, mais de um milhão de refugiados e deslocados da guerra civil (que terminou em 1995) regressaram nos últimos anos à Bósnia, agravando a situação já por si complicada do ponto de vista económico e social.
A acrescentar a esta difícil situação económica e social, a BH, tal como qualquer outro país da região dos Balcãs, sofre de uma pesada herança do passado – a corrupção, que está presente em todos os níveis da sociedade e que abrange também a elite política. As manifestações são o resultado do descontentamento relativamente à administração do Estado, com uma divisão política que, em vez de promover a união, acentua as divergências entre Bósnios (Muçulmanos), Sérvios (Ortodoxos) e Croatas (Católicos).
A BH é constituída por duas entidades politicamente separadas e autónomas: a Federação da Bósnia-Herzegovina (Bósnios e Croatas) e a República Srpska (Sérvios da Bósnia), cada uma é subdivida em cantões e regiões. Os cantões dispõem de grande autonomia e de um governo próprio. Isto representa uma complexa administração, onde as profundas divisões produzem estagnação política e vulnerabilidade perante fenómenos como a corrupção e o crime organizado, retraindo o investimento estrangeiro.
O poder central é dirigido por uma presidência colegial tripartida – um sérvio, um bósnio e um croata – e as decisões requerem unanimidade das 3 comunidades, resultando num bloqueio permanente das instituições e em crises frequentes.
E quanto Ucrânia, tema obrigatório diário nos media?
Vive um período de grande instabilidade, falando-se mesmo de possível “guerra civil”. Para já foi assinado um acordo onde se anteciparam as eleições presidenciais, e se iniciou, não só, o processo de regresso à Constituição de 2004, redistribuindo o poder a favor de uma república parlamentar, como também, o processo para formar um governo de unidade nacional.
As manifestações na Ucrânia surgiram como resposta à adopção de um conjunto de leis que limitava seriamente a liberdade dos ucranianos. Estas constituíam um recuo claro no processo de transição democrática.
As divisões na Ucrânia são agravadas por factores linguísticos, geográficos e religiosos. A leste, a população fala russo e pertence à Igreja Ortodoxa Russa, sentindo-se mais próximos de Moscovo. A Ocidente, a população fala ucraniano, pertence à Igreja Ortodoxa da Ucrânia ou são Católicos de rito bizantino, sentindo-se mais próximos do Ocidente. A geração mais jovem é mais favorável a uma aproximação à UE e pretende um compromisso com os valores europeus e, sobretudo, novas leis que salvaguardem os princípios democráticos.
Na base da situação actual encontra-se a pressão que a Rússia tem desenvolvido no sentido de travar que países, tradicionalmente na sua esfera de influência, assinem Acordos de Associação com a UE no âmbito do Programa das Parcerias a Leste. O primeiro a desistir foi a Arménia, quando o presidente Serzh Sargsyan declarou que a Arménia suspendia a preparação dos Acordos de Associação com a UE, acabando por optar em se juntar à União Aduaneira com a Rússia, Bielorrússia e Cazaquistão.
A Ucrânia acabou também por desistir do Acordo de Associação com a UE em Novembro de 2013, aproximando-se política e economicamente da Rússia.
A pressão da Rússia fez-se sentir com a ameaça de sanções económicas, o aumento dos preços do gás natural russo e o apertar do controlo fronteiriço. Num ano, em que as exportações para Rússia baixaram drasticamente, a compensação financeira oferecida pela UE não compensava os prejuízos.
É também provável que a pressão russa se faça sentir na Moldávia e na Geórgia.
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