Política
ROMÉNIA: INSTABILIDADE POLÍTICA NA ANTECÂMARA DA PRESIDÊNCIA ROTATIVA DA UNIÃO EUROPEIA
A Roménia assumiu ontem, dia 1 de janeiro, a presidência rotativa da União Europeia. No entanto, este acontecimento não representa uma boa notícia, nem para as autoridades europeias, nem para as nacionais, embora as últimas garantam que está “tudo pronto”.
As preocupações europeias devem-se, na vertente interna, à instabilidade política – desde janeiro de 2017 foram três os ocupantes do cargo de primeiro-ministro – e social que se tem registado no país, já que são muitas as acusações de violação do Estado de Direito imputadas ao governo romeno. Na vertente comunitária, os dirigentes europeus estão de olhos postos no Brexit, agendado para março, que continua sem acordo definido, e nas eleições europeias, que podem representar a chegada em grande escala da extrema-direita ao Parlamento Europeu.
O ano de 2018 foi particularmente contestatório no país. As ruas de Bucareste foram palco de grandes e violentas manifestações, fortemente reprimidas pelas autoridades, que tinham no governo social democrata e na corrupção os principais alvos.
No decorrer dos protestos que tiveram lugar na Praça da Vitória, registou-se uma troca de palavras entre Viorica Dancila e os representantes europeus, isto porque a primeira-ministra romena entendeu que, através da posição de Bruxelas relativamente à vaga de descontentamento, se abriria um “perigoso precedente para os Estados democráticos”. Dancila caracterizou a ação da Comissão Europeia como uma “tentativas de derrubar um Governo legítimo”.
A União Europeia seguiu a par e passo os acontecimentos, visto que a adesão da Roménia ao projeto europeu teve, desde uma fase prematura, um enfoque particular na área da corrupção, no sentido de inverter as tendências existentes. Em novembro, as autoridades europeias (Parlamento e a Comissão) aprovaram uma resolução e um relatório que visavam ameaçar levar a Roménia ao Tribunal Europeu de Justiça, de forma a aumentar a pressão sobre o país.
A Tremida Liderança Social-Democrata
O partido social-democrata, atualmente na liderança do governo do país, chegou ao poder em 2017, após a realização de eleições legislativas em dezembro de 2016. A nomeação do chefe de governo não foi pacífica, com o Presidente da República, Klaus Iohannis, a rejeitar, sem qualquer explicação, o nome de Sevil Shhaideh. Caso se confirmasse o nome de Shhaideh para ocupar o cargo, esta seria a primeira mulher a liderar o país – a comunicação social do país chegou a apelidar Iohannis de machista devido à sua decisão. Seguiu-se o nome de Sorin Grindeanu, também social-democrata e antigo ministro das Comunicações.
Grindeanu não beneficiou de um longo período de bonança. Um mês após assumir o cargo, começaram a correr rumores de que o seu Executivo preparava uma nova lei que previa a desagravamento de alguns atos de corrupção. Quando o decreto se tornou público, a população saiu à rua e as críticas chegaram até de Bruxelas, com Jean-Claude Junker a lamentar o retrocesso na luta do país contra a corrupção. Face à vaga de contestação, Sorin Grindeanu decidiu não avançar, embora a discussão tenha originado fissuras no seu próprio partido.
A contestação iniciada com o polémico decreto-lei não desvaneceu e as manifestações perpetuaram-se com pedidos incessantes de demissão do Governo. As cisões dentro do partido social-democrata também continuaram, tendo culminado na apresentação, por parte dos seus próprios deputados, de uma moção de censura contra Grindeanu que acabaria por ser derrubado, seis meses após ter assumido o cargo.
O homem que se seguiu foi Mihau Tudose, antigo ministro da Economia. Embora as caras e os nomes tenham mudado, o processo governativo não conheceu muitas novidades. Divergências entre o novo chefe de Governo e os membros do partido ditaram, ao fim de um novo período de seis meses, a demissão de Tudose em janeiro de 2018. Em menos de um ano a Roménia ficava pela segunda vez sem primeiro-ministro.
Viorica Dancila é a mulher que dirige atualmente o executivo romeno. Vinda diretamente do Parlamento Europeu, Dancila é uma figura da confiança de Liviu Dragnea. Embora ainda não tenha sido referido, o nome de Dragnea é essencial para que entender toda a intriga da política romena dos últimos anos. Após ocupar diversos cargos políticos – tais como o de dirigente local e de ministro do Interior –, Liviu Dragnea assumiu a liderança do partido social-democrata e viu-se a mãos com sucessivas acusações de corrupção, lavagem de dinheiro e ainda de fraude eleitoral. Foram estas mesmas acusações e consequentes condenações que o impediram, enquanto líder do partido, de se candidatar formalmente para o cargo de chefe de Governo.
Desta forma, muitos órgãos de comunicação social não hesitaram em estabelecer uma ligação entre as políticas dos executivos sociais-democratas – nomeadamente o decreto-lei que previa a desagravamento dos crimes de corrupção – e as lutas judiciais que o homem forte do PSD trava. Na mesma linha, todos os nomes que foram surgindo para liderar o Executivo romeno podiam ser, de alguma forma, associados a Liviu Dragnea, uma vez que todos eram pessoas da sua confiança. Esta influência permite a Dragnea conduzir os destinos do país a partir da retaguarda.
Corrupção: O Tendão de Aquiles do Sistema Político Romeno
Se a principal reivindicação do povo romeno nas manifestações ao longo de 2018 foi a demissão imediata do governo social-democrata, a corrupção – e o tratamento que esta tem merecido por parte dos agentes políticos – também não ficou esquecida.
Em fevereiro começaram a surgir os primeiros rumores de que Laura Kovesi, procuradora que liderava uma unidade especial contra a corrupção, iria abandonar a sua função a pedido do Ministro da Justiça, Tudorel Toader. Kovesi conduziu diversas investigações que culminaram com altas patentes da política romena a responder perante a justiça. Para sustentar o pedido de afastamento da procuradora, Toader recorreu a acusações de abuso de poder por parte de Kovesi. A demissão acabou por ser formalizada em julho de 2018, após a assinatura de um decreto por parte de Klaus Iohannis, que sempre se mostrou contra a saída da procuradora.
Atualmente, a Roménia ocupa os últimos lugares das listas de transparência política no que toca a países pertencentes à União Europeia. Todos os esforços feitos no sentido de inverter as tendências nos últimos anos, que coincidiram com os anos de governo de PSD, resvalaram numa parede de interesses que mina o sistema político romeno e que se estende a outras áreas, impedindo a progressão – e a consequente sistematização – de um país que tem sido líder no crescimento económico dentro da Zona Euro.