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Política

BREXIT: O DESAFIO DE THERESA MAY

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Foi em janeiro de 2013 que o então primeiro-ministro britânico David Cameron prometeu fazer um referendo à permanência do Reino Unido na União Europeia, caso ganhasse as eleições. O prometido referendo teve lugar a 23 de junho de 2016, com um resultado de 51% a favor da saída. Assim, a 29 de março de 2017 invocou-se pela primeira vez o artigo 50 do Tratado de Lisboa, que dá um prazo de dois anos para a saída de um estado-membro da UE.

Desde o anúncio da vitória da saída que o maior problema tem sido encontrar pontos comuns de acordo entre todos os envolvidos nas negociações. A saída sem acordo é geralmente vista como a pior opção, mas parece cada vez mais provável com a aproximação do fim do período de negociação. No entanto, Theresa May afirma que esta opção é “prejudicial à economia e vida diária das pessoas” e há quem afirme que levaria a escassez de alimentos e de medicamentos, que seriam retidos na fronteira. Neste cenário, o Reino Unido sai imediatamente a 29 de março e sem período de transição, as trocas comerciais deixam de beneficiar da política aduaneira comum e passam a seguir as regras da Organização Mundial do Comércio e as instituições europeias deixam de ter qualquer poder sobre as leis e fronteiras britânicas.

Apesar de poucos defenderem a saída sem acordo, muitos deputados conservadores, como por exemplo Jacob Rees-Mogg, defendem o chamado “hard Brexit”. Atualmente, o Reino Unido beneficia da participação no mercado único e da circulação livre nos estados-membros, para além de estar representado nos órgãos políticos. Com um “hard Brexit”, o país abandona também estas vantagens da política europeia. Quanto mais forte for o “hard Brexit” maior o afastamento entre o Reino Unido e a União. Esta opção dá mais liberdade ao governo para criar as suas próprias leis e fazer acordos comerciais com outros países e os seus defensores entendem que é a única que faz justiça ao resultado do referendo.

Outra alternativa é o “soft Brexit”, apoiado pelos trabalhistas e por alguns conservadores. Neste caso, há mais cooperação entre o Reino Unido e as instituições europeias e há a possibilidade do país continuar no mercado único sem a imposição de taxas alfandegárias. Com o “soft Brexit”, a questão da fronteira com a Irlanda também seria mais simples, dada a maior flexibilidade de relações com a UE.

O líder dos trabalhistas, Jeremy Corbyn, defende a proximidade com a UE pós-Brexit [Foto: Aaron Chown/PA]

O líder dos trabalhistas, Jeremy Corbyn, defende a proximidade com a UE pós-Brexit [Foto: Aaron Chown/PA]

Há também quem defenda a realização de um segundo referendo. Os defensores desta posição argumentam que o público estava pouco consciente das consequências da saída na hora do voto e que agora o resultado seria diferente. De facto, de acordo com uma sondagem da YouGov, 54% dos britânicos votariam para ficar se houvesse um segundo referendo. Contudo, os críticos de um segundo referendo afirmam que seria um ataque ao resultado democrático do primeiro voto. A primeira-ministra também não é favorável a uma segunda consulta popular e acredita que seria prejudicial à coesão social e à confiança na democracia. “Muitas pessoas querem subverter este processo em prol dos seus próprios interesses políticos, em vez de [defenderem] o interesse nacional”, afirmou.

Para além de tudo isto, há independentistas na Escócia (que perderam o referendo em 2014 com 44% dos votos) que aproveitam o facto de 62% dos escoceses ter votado para ficar na UE para tentar novamente a separação do Reino Unido. Nesta situação, o Reino Unido sairia da UE e a Escócia sairia do Reino Unido, permanecendo na União Europeia enquanto país independente.

O chumbo do acordo de May

A especulação sobre o potencial acordo decorre desde o referendo e a aguardada proposta foi apresentada em novembro. Um dos principais problemas levantados é o que vai acontecer ao milhão de cidadãos britânicos a viver em países da UE e aos 3 milhões de europeus no Reino Unido. O acordo alcançado por Theresa May salvaguarda os direitos dos cidadãos e assegura a sua liberdade para continuar nos países para onde emigraram. Apesar de May ter tentado limitar esta vantagem a quem chega ao Reino Unido até 29 de março, ficou acordado que este direito vai estender-se a todos os cidadãos da UE que cheguem até ao fim do período de transição (até ao fim de 2020).

O pagamento da saída foi outro dos pontos que causou mais divergências nas negociações. O anterior secretário de estado com a pasta do Brexit, David Davis, chegou a dizer à Comissão Europeia que o Reino Unido não devia nada à UE. Contudo, o presidente da Comissão Jean-Claude Juncker afirmou que “o Reino Unido não pode simplesmente cancelar o contrato com a Europa como se se tratasse de uma inscrição num clube de golfe” e que tem de cumprir os compromissos que fez enquanto estado-membro. Depois de muita especulação, o acordo de May chegou ao valor de 39 mil milhões de libras que cobrem a contribuição para o orçamento da UE até 2020.

O Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, não quer deixar o Brexit dominar a agenda política europeia [Foto: Getty Images]

O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, não quer deixar o Brexit dominar a agenda política europeia [Foto: Getty Images]

Mas o problema que se tem revelado mais difícil de resolver é a potencial criação de uma fronteira dura entre a Irlanda no Norte, que faz parte do Reino Unido, e a República da Irlanda, país membro da União Europeia. A questão levanta-se dado o contexto histórico de conflito sobre a soberania da Irlanda do Norte. Este conflito deu-se entre 1968 e 1998 e opôs duas fações: os unionistas, que defendiam que a Irlanda do Norte devia continuar no Reino Unido devido à sua maioria protestante, e os republicanos, que eram maioritariamente católicos e queriam a reunificação com a República da Irlanda. The Troubles, como ficou conhecida a colisão entre os dois lados, envolveu motins, protestos violentos e a criação de bairros segregados. O conflito levou à morte de 3500 pessoas até à sua resolução com o Acordo de Belfast, assinado a 10 de abril de 1998 entre os governos irlandês e britânico. Apesar disto, ocasionalmente ainda há protestos do lado republicano e receia-se que a violência possa regressar. Antes do acordo de paz, existia uma fronteira física fiscalizada e com policiamento. Esta fronteira era entendida pelos republicanos como uma demonstração da ocupação britânica na Irlanda e o seu potencial regresso com o Brexit pode reacender os sentimentos nacionalistas.

A ideia inicial de Theresa May previa uma tecnologia que permitisse cruzar a fronteira facilmente e mesmo assim efetuar as fiscalizações necessárias, mas foi rejeitada por ser considerada utópica. Na proposta final, ficou apenas decidido um plano de apoio no caso das negociações sobre o comércio falharem. De acordo com esse plano, todo o Reino Unido teria de seguir a política aduaneira comum à UE e a Irlanda do Norte teria de seguir as regras do mercado único. Esta proposta enfureceu os apoiantes do Brexit, que entendem que deixa o Reino Unido refém das normas europeias.

O acordo defendido pela primeira-ministra inclui também o já referido período de transição. Depois de 29 de março, o Reino Unido sai das instituições europeias e perde o direito ao voto e à participação na tomada de decisões. No entanto, até ao fim de 2020, o Reino Unido ficaria debaixo da alçada do Tribunal de Justiça da União Europeia, permaneceria no mercado único, continuaria a pagar para o orçamento europeu e a permitir o movimento livre dos cidadãos. Outra das decisões do documento prevê a criação de um acordo específico sobre o acesso de pescadores europeus às águas britânicas.

Mesmo depois de um adiamento e da vitória numa moção de censura dentro do Partido Conservador, o já esperado chumbo da proposta chegou a 15 de janeiro. May sofreu uma derrota histórica, com 432 votos contra e 202 a favor. Depois desta derrota, os trabalhistas de Jeremy Corbyn apresentaram uma nova moção de censura, a que o governo resistiu, com 306 votos a favor e 325 contra. “Não encaro esta responsabilidade com leveza e o meu governo vai continuar o seu trabalho para aumentar a prosperidade, garantir a nossa segurança e fortalecer a nossa união”, respondeu May à contestação.

O impasse continua

Com o chumbo da proposta de May e com o dia 29 de março cada vez mais próximo, não há tempo a perder nas negociações de um plano alternativo. Neste sentido, o governo conservador tem tentado facilitar as conversas com outros partidos. Jeremy Corbyn afirmou que não negociava até ter a garantia de que não haverá saída sem acordo. O voto do parlamento contra um Brexit sem acordo parece ter respondido a esta exigência e Corbyn aceitou reunir-se com Theresa May.

Theresa May tenta agora negociar um acordo que passe no parlamento [Foto: Reuters]

Theresa May tenta agora negociar um acordo que passe no parlamento [Foto: Reuters]

De momento, o governo está focado em conseguir um acordo que satisfaça a oposição e consiga ser aprovado no parlamento britânico. Contudo, nada está garantido, pois mesmo que se consiga aprovar um novo plano no Reino Unido, a sua implementação depende também da opinião da União Europeia. No caso de não haver um acordo a tempo, os britânicos podem pedir a extensão do período de negociações, mas a aceitação deste pedido está novamente dependente da vontade de Bruxelas. Resta esperar que a solução seja encontrada antes de 29 de março.

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