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EUA: OS LIMITES DA TOLERÂNCIA ZERO À IMIGRAÇÃO ILEGAL

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Muro entre os EUA e Tijuana, México. Foto: Max Böhme, Unsplash

No dia 16 de junho de 2015, Donald Trump formalizou a sua candidatura à presidência dos Estados Unidos com um discurso onde prometeu reinventar o sonho americano.

Foi este o momento em que deixou transparecer a sua posição face à problemática da Imigração. Após dirigir fortes críticas à atuação de Barack Obama, Trump expressou o seu descontentamento no que toca à relação entre EUA-México.

Este foi o primeiro momento em que profetizou uma das promessas mais identificadoras da sua candidatura: a construção de um grande muro na fronteira do Sul, a ser pago pelo México.

Durante a campanha, não foi este o único momento em que referenciou a Imigração. Após o ataque terrorista de San Bernardino, em dezembro de 2015, Trump propôs banir temporariamente a entrada de muçulmanos no país.

A eleição

A adoção destas propostas parecia algo distante durante a campanha, com muitos observadores a desvalorizarem a própria candidatura de Trump. Contudo, e naquela que configurou uma reviravolta das Presidenciais de 2016, este acabou por vencer as eleições, derrotando a adversária Hillary Clinton.

O mandato de Trump como 45.º Presidente dos Estados Unidos não correu sem adversidades. Na verdade, foi vincado pela contínua adoção de políticas controversas, em especial na pasta da Imigração.

O Muro

O muro foi das primeiras promessas feitas pelo Presidente, mas que ainda não se viu totalmente realizada.

Não se trata de uma proposta única na história dos Estados Unidos: em 1996 foi autorizada a construção de um muro entre San Diego e Tijuana e na Administração de George W. Bush foram feitas construções ao longo da fronteira ao abrigo do Security Fence Act de 2006.

O inédito surge no que toca ao orçamento mobilizado para este projeto, de 11 biliões de dólares. Para cobrir as despesas de construção, viu-se a necessidade de desviar uma porção do orçamento aprovado para o Departamento de Defesa. Desta forma, o muro de Trump tornou-se o mais caro do Mundo.

A maioria do trabalho feito na fronteira passou pela substituição de estruturas já existentes. Ainda assim, surgiram alguns problemas, verificando-se em janeiro de 2020 a destruição de uma porção do muro devido às condições climáticas.

Donald Trump e os seus apoiantes na Campanha Make America Great Again. Foto: Gage Skidmore, Flickr

Travel bans

Outra linha de atuação anti-imigração da Administração Trump foram os chamados travel bans, inibições de entrada no país dirigidos a cidadãos originários de determinados países.  O primeiro travel ban foi emitido por Trump no dia 27 de janeiro de 2017, e bloqueou a entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana e de refugiados sírios. Essa versão da ordem, contudo, foi bloqueada pelos tribunais federais.

Apenas no dia 24 de setembro de 2017 foi lançada a versão final, ativando-se, então, restrições a vistos de oito países: Chade, Líbia, Coreia do Norte, Somália, Síria, Venezuela e Iémen.

Os cidadãos dos países listados deixaram de ter acesso a vistos de imigração, com exceção do caso venezuelano. Criaram-se igualmente restrições no acesso a vistos de trabalho e vistos turísticos, a aplicar conforme a adesão dos países às medidas de segurança impostas pela Casa Branca.

Apesar da aplicação das medidas ter sido parcialmente paralisada por tribunais federais, que as consideraram inconstitucionais, o Supreme Court permitiu a sua implementação no período de litigância. A 26 de junho de 2018, o mesmo Tribunal concluiu pela legalidade das políticas.

Esta não foi a única ação tomada no sentido de restringir o número de imigrantes. Em janeiro de 2019, alargou-se a lista de países aos quais é aplicável o travel ban. A implementação desta medida torna inelegíveis para o visto de imigrante os cidadãos da Nigéria, Myanmar, Quirguistão e Eritreia, proibindo ainda os cidadãos do Sudão e Tanzânia de concorrerem no “diversity visa lottery”.

Restrições à imigração legal

Em junho de 2017, foi pedido ao Congresso que aplicasse medidas para prevenir os imigrantes de acederem a ajudas sociais durante o período de 5 anos desde a data da sua chegada.

Seguindo esta lógica, no mês de janeiro deste ano foi ainda aprovada pelo Supreme Court a revisão da regra de public charge”. Nos termos desta, é possível a recusa de um estatuto jurídico permanente aos imigrantes que tenham elevada probabilidade de utilizar benefícios públicos, como Medicaid, food stamps e ajudas para habitação.

Trata-se de uma das medidas direcionadas pela Administração à restrição da imigração legal, que entrou em execução no dia 24 de fevereiro de 2020. Neste sentido, favorece-se a concessão de green cards a indivíduos que tenham salários elevados e seguro de saúde.

No âmbito dos vistos de trabalho, criaram-se também barreiras, uma vez que passou a exigir-se entrevistas presenciais aos requerentes.

Como forma de “valorizar os trabalhadores americanos”, Trump assinou uma ordem executiva para que se revisse o programa do visto H-1B, a conceder a trabalhadores estrangeiros com formação superior. Esta medida acompanhou uma outra ordem executiva, a Buy American and Hire American, pela qual se promovem os interesses dos trabalhadores americanos através de uma administração rígida das leis de imigração. Em termos sumários, pretende desmotivar-se o recurso a trabalhadores estrangeiros não qualificados, aos quais poderiam ser pagos salários mais baixos do que os dos cidadãos americanos, bloqueando as hipóteses de estes serem elegíveis para vistos de trabalho.

Cidade de Juaréz, para onde os migrantes são enviados ao abrigo do Remain in Mexico. Foto: Aljazeera

Restrições ao asilo

Ao longo destes 3 anos, a Administração agiu no sentido de diminuir o número dos que procuram asilo, adotando manobras que, não raras vezes, colidiram com o 1965 Immigration and Nationality Act. Este determina que qualquer estrangeiro que chegue aos Estados Unidos pode concorrer para asilo, ainda que não o faça por um dos pontos de chegada designados.

Destas propostas ressaltou, em especial, a medida que determinou a separação de famílias de migrantes, sendo-lhes retiradas as crianças que com elas viajavam. Este foi um dos efeitos da tolerância zero da Administração, ao lado da prossecução criminal de qualquer pessoa que fosse vista a atravessar ilegalmente a fronteira.

Os danos causados por esta medida foram tremendos, surgindo relatórios médicos que registaram que o profundo trauma causado às crianças constituiu uma forma de tortura. Dados preocupantes foram, ainda, lançados pelo Department of Health and Human Services que demonstraram um número extenso de casos de abuso sexual durante o período de detenção.

Não tardou até a população demonstrar o seu choque e preocupação com o bem-estar destas famílias. Ondas de manifestação social reivindicaram a reunificação das famílias separadas, em protestos que se espalharam por todo o país sob o slogan Keep Families Together”. Foi a onda de solidariedade social que determinou o fim de aplicação desta política.

Ainda relativamente aos casos de asilo, ordenou-se que os requerentes fossem mantidos no México, ao abrigo da política Remain in Mexico.

Existem centros de detenção onde os migrantes são mantidos enquanto esperam pela revisão do seu pedido, que ficam situados em zonas de elevada criminalidade e onde as condições básicas de higiene e segurança não são asseguradas. Sem acesso a empregos e a advogados, são obrigados a viver em condições desumanas em centros que estão absolutamente sobrelotados.  São duras as críticas dirigidas ao programa, com acusações de que este viola obrigações internacionais para com os migrantes que tentam escapar à violência.

Numa ordem mais recente, foi celebrado um acordo entre os EUA e a Guatemala, onde se acordou enviar os requerentes de asilo que cheguem ao EUA para este último país, recusando-lhes, desta forma, o acesso ao programa de asilo dos EUA. Ao sujeitar os migrantes a este acordo, impõe-se que optem por ficar ao abrigo do programa de asilo da Guatemala ou regressar ao seu país de origem.

O Luto

A posição Anti-Imigração da Administração dos EUA promete deixar as suas marcas na História mundial. São inúmeros os casos de violações de direitos humanos que se foram consumando ao abrigo das políticas adotadas pelos EUA neste passado recente.

Contam-se já vários casos de mortes de imigrantes mantidos sob a custódia do ICE, sendo o mais recente o de um mexicano de 34 anos de idade, cuja morte aparenta resultar de suicídio. Este é já o 7.º caso mortal às mãos do ICE num espaço de apenas 5 meses, o que marca as condições extremas em que os detidos são mantidos.

No dia 19 de fevereiro de 2020, um tribunal federal emitiu uma ordem à U.S. Customs and Border Protection para que alterasse a forma como detém as pessoas em sua custódia. Acrescentou que as condições desumanas em que as pessoas são mantidas é inconstitucional, dizendo que “as instalações de detenção nas fronteiras não vão ser autorizadas a violar a Constituição”.

Texto da autoria de Inês Viana. Revisto por Miguel Marques Ribeiro.

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