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GEOPOLÍTICA DO MÉDIO ORIENTE: AMERICANOS MOSTRAM MÚSCULO NO IRÃO

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Carro do general iraniano Qassem Soleimani depois do ataque americano. Foto: Iraqi Security Media Cell

Este é o segundo de três artigos sobre as mudanças em curso numa das regiões mais conturbadas do globo.


As forças Quds são um grupo de milícias de elite da Guarda Revolucionária Islâmica (as forças armadas iranianas). Têm ligações ao Hezbollah desde a guerra do Líbano nos anos 80, e são um braço violento da influência iraniana no Médio Oriente.

No início do novo ano, o seu comandante, o general Soleimani, foi morto à saída do aeroporto internacional de Bagdad, no Iraque, onde os EUA suspeitavam que este planeava ataques a diplomatas e militares americanos.

As redes sociais foram inundadas com anúncios de uma terceira guerra mundial e o pânico alastrou aos mercados com o preço do petróleo a subir 4% da noite para o dia.

A ofensiva revelou o músculo das forças armadas americanas, de que o Presidente Trump tanto se orgulha, bem como a disposição para levar as ameaças às últimas consequências.

Tensão acumulada

A posição dos EUA no Médio Oriente, e a sua relação com o Irão, tem-se vindo a deteriorar nos últimos anos.

Com a retirada unilateral dos americanos do Acordo Nuclear assinado pela administração anterior, e a consequente imposição de sanções económicas ao regime de Teerão, Donald Trump tentou repetir a estratégia usada pelos americanos no Iraque e na Líbia para depor o governo e garantir os seus interesses.

No entanto, as sanções apenas vieram agudizar os problemas da população iraniana, sem que qualquer alteração política significativa se viesse a verificar. Quanto muito, a morte do General Soleimani poderá ter tido o efeito contrário ao desejado, inspirando as massas contra o imperialismo americano no luto do mártir.

A reação iraniana

Um pouco por todo o Médio Oriente, e em particular no Irão, enormes demonstrações de revolta popular vieram dar conta de um sentimento maturado ao longo dos anos. Os Estados Unidos não são bem-vindos.

Foi neste contexto, durante as cerimónias fúnebres celebradas em memória do general, que o governo iraniano declarou que iria deixar de obedecer às restrições impostas pelo acordo de 2015, apesar do apelo das restantes nações que dele fazem parte.

O antigo comandante da Guarda Revolucionária iraniana Mohsen Rezaei prometeu uma “dura vingança” contra o governo dos EUA e, no dia 8 de janeiro, 15 mísseis balísticos atingiram as bases aéreas de Al Asad e Erbil, no Iraque, onde tropas americanas estavam instaladas, naquela que viria a ficar conhecida como a operação mártir Soleimani.

A caminho de um conflito regional?

A tensão ganhava novas proporções. Com um ataque deliberado às tropas americanas, tudo fazia prever uma reação desproporcionada e irrefletida de Donald Trump.

No entanto, no dia seguinte, o presidente americano apareceu diante do país e do mundo para assegurar que o Irão nunca teria armas nucleares enquanto estivesse na Casa Branca, reafirmando uma certeza que se parecia ter perdido.

Aparentemente o Irão não tem a capacidade militar necessária para enfrentar os Estados Unidos. Mesmo quando o regime dos aiatolas atingiu um avião ucraniano passadas apenas algumas horas, (confundido com um míssil, segundo alegou Teerão) a comunidade internacional limitou-se a instaurar novos processos contra o regime, e a apresentar os seus votos de pesar pelas 176 pessoas que perderam a vida no ataque.

Numa tentativa de controlar a escalada de violência, Donald Trump aplicou novas sanções económicas aos iranianos e descartou a possibilidade de uma nova guerra no Médio Oriente.

Ganhar na política externa para conquistar no plano interno

A administração Trump precisa de passar uma imagem de força no plano internacional, se quer agradar ao seu eleitorado.

A Defesa é uma bandeira da recandidatura do presidente. No dia 27 de dezembro de 2019, um americano foi morto num ataque que os serviços de inteligência americanos acreditam ter sido ordenado pelo general Soleimani. Os EUA não quiseram deixar a situação passar incólume.

A morte de Soleimani acabou por simbolizar aquilo que muitos eleitores nos EUA valorizam num presidente. A capacidade de ser eficaz e implacável a vingar o derramamento de sangue americano.

Ainda assim, ao ordenar a morte do general Soleimani, Donald Trump correu um risco cujas consequências ainda não são totalmente conhecidas. O Irão está agora sobre o sufoco das sanções aplicadas pelos americanos, mas já não está vinculado ao acordo que o proibia de enriquecer urânio.

Os próximos passos da Administração Trump

O orçamento dos EUA para 2021 prevê um aumento das despesas militares em detrimento da saúde, educação e ambiente. Parece claro que os americanos vão continuar a ser a polícia do mundo, mesmo que já não comprem guerras com a mesma facilidade que noutros tempos.

Embora a sua cooperação no combate a alguns governos autoritários e grupos terroristas no Médio Oriente tenha sido importante nas últimas décadas, a sensação na região é a de que os EUA têm muitas vezes feito mais mal do que bem.

A comunidade internacional tem evitado escolher lados nos últimos anos, e com as ameaças do presidente americano de abandonar a NATO, a pergunta começa a ser cada vez mais difícil de esconder.

Quem policia a polícia do mundo? No início do ano o mundo entrou em pânico com a perspetiva de uma guerra mundial. Passados apenas dois meses parece que essa ameaça desapareceu, enquanto outras, como a pandemia do novo coronavírus e a depressão económica global, se manifestam no horizonte.

Texto da autoria de José Milheiro. Revisto por Miguel Marques Ribeiro.

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